Diários da Luz Eterna - Parte III " Subir a Montanha e o ato de acreditar..." e Parte IV "Nunca voltamos os mesmos"


Parte III - Subir a Montanha e o ato de acreditar...

Quarto dia por terras de Berguen. Olav sugeriu-nos hoje que viajássemos até aos lagos de Flam. São enormes espelhos de água que habitam entre as montanhas.

O ponto chave era a Ravina de Flam de onde conseguiamos vislumbrar toda a magnificência do cenário.

Berguen é absurdo. A sua beleza colossal, por estes lados, é um ato de normalidade. Em cada novo recanto insulto a minha existência por não ter vindo aqui mais cedo.

Demoramos meio dia a subir toda a ravina até ao ponto mais alto. Olav convidou-nos a sentar e pediu para partilhar um texto do seu diário que até hoje, ficou na minha memória. Ele conta de como subir a montanha significa acreditar.

Ele escreveu:

"As montanhas fizeram a minha vida acontecer, provaram que o mundo me era pequeno e eu pequeno continuarei.

Subir a próxima montanha é sempre um ato de egocentrismo, de disputa cruel entre mim e a minha dualidade.

Subo a montanha no repentismo de não perder o por do sol da eternidade. Desço-a num ápice na certeza de que há mais um mergulho a fazer na lagoa onde descansarei a minha serenidade.

Lembro-me da montanha da ilha dos Deuses onde descobri a humanidade e a bondade. Lembro-me de que quando a subi o meu sorriso foi mais intenso que a luz do dia soberano. Lembro que ao desce-la estava grato pela oportunidade de ver o alcance da magia que fazemos questão de esquecer.

Lembro-me da montanha do Vale das Trevas e de quando decretei o fim da minha simbologia e de como estava errado e perdido só porque não fui capaz de ver por onde subi. Quando desci alguns esperavam por mim e o que fui capaz de semear salvou-me.

Hoje olho outra vez da montanha a que encostei a alma e nela deixei mais um punhado de linhas transparentes para os Diários que faltam escrever.

No dia em que deixar de subir a próxima montanha , deixei de acreditar..."


Parte IV -  Nunca voltamos os mesmos

Sexto dia por terras de Berguen. Hoje Olav decidiu dar-nos a conhecer o Templo do Apogeu, onde dizem as lendas habitavam as almas dos cinco deuses da Luz Eterna.

Era um templo discreto, muito pequeno, no alto de uma colina com vista para o Estreito de Freya. Freya era um braço de água sumptuoso. Era um intenso espelho de águas azul vivo que refletia todas as montanhas em seu redor.

Apesar de discreto o Templo do Apogeu era um mar de detalhes em forma de esculturas vivas que davam vida às suas paredes interiores.

Já no interior do salão principal do Templo, pediu que nos deitássemos em roda e começou a entoar um mantra (canto meditativo) para conseguirmos meditar. Entramos todos em transe. Ficamos ausentes durante algum tempo. 

De volta à realidade e de olhos postos no Estreito de Freya, do topo da colina, pediu a cada um que redigisse no seu diário o que havia sentido durante a meditação. Estas foram as minhas palavras:

"Viajei para estes últimos dias de vistas largas e alcance muito além do horizonte.

Regressar a casa faz parte do ritual de reencontrar o amor próprio, de perceber o que é recomeçar todos os dias, de voltar a sentir que a vida continua no seu ritmo próprio e que tens de voltar a ganhar o passo para a conseguir continuar a acompanhar.

Foram dias de duas vidas, a do ser da montanha que adormece no horizonte e a do ser que sabe que tem de regressar ao horizonte.

Como um dia me ensinaram, cada nova aventura lembra-nos do mundo lá fora, aquele para que iremos sempre voltar. E volto, mas nunca volto o mesmo."

Berguen estava a ser uma aventura que me revelava partes de mim há muito desligadas. Voltar a casa seria um desafio. Desta vez não sabia se queria lidar com isso.