Animação SocioCultural e as transformações sociais


Se no capítulo da sociedade da informação as mudanças são mais que evidentes, no que concerne à sociedade política, o cidadão comum continua sem a perceber, embora tenha melhorado, substancialmente, o seu vocabulário: palavras como défice, reforma, taxa, entre outras, são hoje mais banais, mas perderam o seu significado inicial.

O défice deixou de ser social e passou a ser estrutural, a reforma já não é mais um direito do qual usufruiríamos naturalmente após o final da nossa vida activa e passou a ter um conjunto vasto e múltiplo de significados como são a reforma fiscal, a reforma da Segurança Social, a reforma do Estado, a reforma da... reforma que alguém já tinha reformado. Por fim a taxa, significava em tempos natalidade, mortalidade, insucesso escolar, entre outros. Hoje temos as “não menos poderosas” taxas de juro, menos humanas, mas muito mais complexas e com uma vida muito própria.

É nesta sociedade de significados amplos, relativos que damos forma aos “novos reais”, de tudo e de todos, mas... por quem? E com que significado?
A palavra sociedade tem o seu berço no Latim societas, que significava "associação conciliadora com outros". A palavra societas é resultante de socius, que significa "companheiro".
Do ponto de vista da Sociologia uma sociedade é o conjunto de pessoas que partilham uma mesma identidade, ideal, objectivos e tradições, interagindo entre si constituindo uma comunidade. Na perspectiva da Biologia, sociedade é um conjunto de animais que vivem agrupados e que de alguma forma se organizam, dividem tarefas, fazendo o seu processo de sobrevivência depender desse mesmo ónus orgânico.

Partindo destas directrizes, qual é afinal a sociedade das pessoas que interagem entre si, das pessoas que partilham ideais, objectivos... qual é a sua sociedade? Qual o seu real significado?
Ao ler o jornal desportivo de todos os dias (Diário Record de 25 de Fevereiro de 2008), na rubrica «Fora de Campo», a sociedade desportiva resume assim o Portugal da sociedade das pessoas:

“Portugal é um dos oito países da União Europeia onde se registam os níveis mais elevados de pobreza nas crianças.

Segundo um relatório da Comissão Europeia sobre a protecção e inclusão social – apresentado hoje e que deverá ser adoptado na próxima sexta-feira pelo Conselho de Ministros do Emprego e Segurança Social, em Portugal há mais de 20 por cento de crianças (ou seja, uma em cada cinco) expostas ao risco de pobreza. Situação que abrange tanto os menores que vivem com adultos que não têm trabalho como crianças que vivem em lares onde não há desemprego.O relatório divide os países em quatro grupos, consoante os resultados nacionais em cada um dos sectores em análise: desemprego, pobreza dos trabalhadores e insuficiência da assistência social.Portugal integra o grupo D – países onde se registam níveis relativamente altos de pobreza nas crianças, extremamente elevados em trabalhadores e uma fraca assistência social – tal como a Espanha, Grécia, Itália, Letónia, Lituânia, Luxemburgo e Polónia.

Em situação completamente oposta, ou seja no grupo A, estão a Áustria, Chipre, Dinamarca, Finlândia, Eslovénia, Holanda e Suécia. Este relatório exclui a Bulgária e a Roménia, os últimos países a aderir à UE.” (2008).
Os diários desportivos são para mim uma fonte de distracção e abstracção do real, estranho que também neste espaço eu já “não me possa esconder”. Naquele momento o último resultado positivo da minha equipa de eleição e a óptima exibição do meu jogador preferido já não me varriam a mente.

Por esta altura, entramos na ‘velha reflexão’ das soluções a encontrar para uma sociedade que se quer mais ‘social’.

Entre um vasto leque de opções que a criatividade humana permitiu criar surgem as Tecnologias Sociais, emergentes das Ciências Sociais. Entre elas, a Animação SocioCultural.

A Animação SocioCultural veio responder aos desígnios de uma sociedade em mudança, que não se quer fechada sobre si própria, que pretende desencadear processos de capacitação das pessoas para o exercício da cidadania, pressupondo uma concepção de comunidade em que as pessoas são reconhecidas como actores e autores da sua própria condição humana.
José Maria Quintana defendia que “ a Animação é a resposta que melhor se adapta aos desafios provenientes das grandes mudanças produzidas na nossa sociedade; resposta que quer em vez de adaptação às mudanças, permitir, ao mesmo tempo, resistir ou impor-lhe orientações.”(1999: 70), por sua vez P Waisgerberg interpretou a ASC com uma acção “ tendente a criar o dinamismo social onde não existe, ou que vem favorecer a acção cultural e comunitária, orientando as suas actividades para mudança social.”. (1999: 73).

A ASC veio responder à constante necessidade de mudança sentida pelas pessoas, permitiu-lhes trilhar sentidos de orientação, estabelecer rotas comuns de acção e emancipação sem por de parte que a sociedade humana será sempre um quadro inacabado, com tons diferentes e descolorações continuas. Como afirmou Francis Jeason, a ASC “ inscreve-se no quadro de uma emancipação colectiva (...) Sem embargo, apresenta dificuldades para ser claramente definida devido à sua riqueza e diversidade. A ASC consiste, essencialmente, em oferecer possibilidades de cultura ao mais amplo sector possível da vida cidadã...” (1999: 75).