Animação SocioCultural e Protagonismo Juvenil



Foram muitos os acontecimentos que nos últimos 50 anos, de uma forma ou de outra, contribuíram para as grandes transformações sociais do nosso tempo.
O Maio de 1968 foi provavelmente, ao nível dos movimentos juvenis, o mais significativo, desencadeando uma verdadeira revolução de mentalidades que alastrou um pouco por todo o mundo, fazendo-se sentir ainda hoje enquanto matriz ideológica e política.
Os jovens foram colocados no centro do processo de transformação social, assumindo o seu protagonismo de forma espontânea em ruptura com um sistema ultrapassado.
Passados 40 anos, não é fácil definir a realidade juvenil dos nossos dias, não só pela sua riqueza, mas também pelo mosaico de comunidades juvenis que ela embarca, cada qual com códigos e rituais muito próprios.
De qualquer forma, é possível circunscrever algumas das características associadas aos jovens de hoje. Por um lado valorizam o seu tempo livre e o grupo de amigos, por outro, continuam a aparecer associados a processos de mudança. É a partir destas premissas que a Animação SocioCultural (ASC) emerge, enquanto conjunto de práticas sociais, que ganhando forma e conteúdo nos tempos livres dos jovens, lhes fornecem ferramentas para estes poderem operar processos de transformação social, nomeadamente, nos seus grupos de pertença.
E entre estes processos de transformação social que a ASC em Portugal ganha força, sobretudo a partir do 25 de Abril de 1974, embora já antes, tenham sido muitas as manifestações de inerentes às dinâmicas de ASC.
Definida pela UNESCO, citada por Ander-Egg, como “um conjunto de práticas sociais que têm como finalidade estimular a iniciativa, bem como a participação das comunidades no processo do seu próprio desenvolvimento e na dinâmica global da vida sócio-política em que estão integrados” (1999:77), a ASC surge como um projecto pedagógico de conscientização, participação e protagonismos das pessoas, dos grupos e das comunidades. Relembrando E. Grosjean e H. Ingberg, eles argumentam que o que distingue a ASC não é “o que «faz» senão «como faz», e a sua tarefa é situar-se no centro da realidade e mobilizar as energias da comunidade, de forma a que de espectador passivo se converta em protagonista. Daí que as palavras-chave da Animação sejam: animar, mover, suscitar” (1999:78).
A Animação Juvenil, aparece-nos, dentro deste quadro, como o âmbito da ASC em que se enquadram as comunidades juvenis, tendo um referencial próprio e ajustado ao seu público em concreto. Marcelino Sousa Lopes propõe como princípios essenciais inerentes às dinâmicas de ASC Juvenil os da liberdade, da promoção do associativismo, da participação e do voluntariado.
Perante os jovens e os grupos que estes integram, o Animador é o agente privilegiado de todo este enredo. Ele assume um papel de importância vital enquanto mobilizador e catalisador de vontades junto do público juvenil. É o mediador presente no contexto de origem, o incentivador das dinâmicas juvenis e o preconizador de processos de protagonismo juvenil. Neste percurso ele é: o orientador responsável de espaços informativos, sendo um agente privilegiado na disponibilização de muitos dos campos de oportunidade em que os jovens baseiam as suas escolhas; é um agente de vastos recursos técnicos, dominando várias áreas de especialidade; actua com propósitos e objectivos que sabe serem exequíveis, deixando de parte os bloqueios emocionais, entusiasmando e provocando os jovens; é um conhecedor e potenciador da vida em grupo e comunidade.
Ele é um dos actores da própria acção protagonista, assumindo a sua relação perante o grupo de forma natural, num percurso que tem como objectivo último a promoção do protagonismo juvenil, baseados em processos de participação.
Segundo Palacios, o conceito de participação baseia-se na possibilidade de “intervenção na tomada de decisões, e não somente como o estabelecimento de canais multidireccionais de comunicação e consulta. (...) A participação completa só acontece quando as decisões são tomadas pelas próprias pessoas que hão-de pô-las em acção”. (1994: 11)
Dito de outra forma, participar é a possibilidade de intervenção de pessoas ou grupos em processos de reflexão ou tomada de decisão que têm como fim a tentativa de resolução de problemas que as afectam directamente, ou então no sentido da persecução de desígnios comuns. É nesta premissa que assentam as bases do protagonismo juvenil.
Resultados do Projecto de Investigação “Nova Fórmula”
É dentro deste contexto que durante 2007 e 2008 desenvolvi um projecto de investigação em parceria com a Plataforma de Animadores SocioEducativos e Culturais, Agência para a Gestão do Programa Juventude em Acção e Universidade do Minho denominado “Nova Fórmula” no sentido de perceber o contributo do Animador SocioCultural, e assim da ASC, na promoção do protagonismo juvenil. Assim, importa agora estabelecer uma síntese das principais conclusões/resultados a que chegamos e que estiveram na base de uma proposta de modelo de promoção de processos de protagonismo juvenil.
A partir dos depoimentos recolhidos traçamos um perfil de Animador assente em três eixos fundamentais: o do animador agente social; o do animador agente mediador; e a do animador agente educativo.
Falámos de alguém que, movido por um ideal, combina em si a componente formativa e uma experiência de vida que o tornaram Animador de vocação e comprometido.
De qualquer forma, estes pressupostos nem sempre são colocados em prática, sendo que os Animadores apontam como maiores constrangimentos: a falta de reconhecimento social de que a função do Animador SocioCultural carece; a escassez de recursos disponíveis; a existência de práticas de animação baseadas na simples ocupação de tempos livres sem um plano pedagógico concreto e coerente; a postura pouco ética por parte de alguns animadores nas suas práticas diárias; a confusão que existe entre os pressupostos da ASC enquanto prática educativa e a Animação enquanto produção cultural.
Tendo como base os testemunhos dos entrevistados, constatamos que eles acreditam que um sistema de relações de uma estrutura grupal juvenil, influenciado por um processo próprio da ASC, encontra no Animador o seu pilar estrutural. Vêem-no como uma espécie de “placa giratória” por onde se cruzam, criam, terminam e recriam processos relacionais e todas as dinâmicas despoletadas a partir desse mesmo sistema.
Acreditam que este é um processo faseado passando por uma fase de aproximação ao grupo a que segue uma fase de maturação da estrutura grupal, onde o Animador se assume como pilar. Este percurso atinge o seu pico na fase vital do grupo, momento onde este surge perante os seus primeiros constrangimentos e dificuldades, onde é levado a tomar as suas primeiras decisões delicadas. É uma fase em que o Animador procurará ser o mais invisível possível, dando ao grupo o poder de decisão sobre as principais direcções a tomar.
Tendo presente que os processos de interacção grupal têm por base as relações que se estabelecem a partir do sistema grupal, a partir dos depoimentos recolhidos, chegamos à conclusão que estes condicionam, potenciam e redimensionam a participação e acção de um grupo. Identificámos dez factores relacionais base: o factor amizade, com base em laços afectivos; o duplo sentido das relações, resultantes de uma vontade orgânica e de uma vontade reflectida; a relação ambivalente entre Animador e elementos do grupo, que pode assumir posições de ruptura ou de estima; a relação positiva e satisfatória com base no compromisso como potenciadora de uma participação mais qualificada e positiva; as origens e contextos dos grupos; os tipos de liderança exercidos pelo Animador; o papel individual que cada um desempenha na estrutura grupal; a relação encarada como um percurso que exige da parte de todos os agentes envolvidos; persistência, nomeadamente do Animador; o próprio percurso de interacção que leva ao estabelecimento da relação, exigindo por parte do Animador a utilização de métodos inovadores e espaços de educação não formal no sentido de potenciar os elementos do grupo e servir de complemento aos espaços de educação formal; a transmissão recíproca de valores entre os jovens que integram o grupo e o Animador.
Sendo os factores relacionais estruturantes, a gestão dos processos de liderança não é menos relevante. Neste sentido, os entrevistados remetem-nos para uma gestão do processo de lideranças numa perspectiva democrática, não esquecendo, no entanto, que em determinados grupos existem várias lideranças e, dependendo dos contextos, podem ser usadas abordagens diferentes, mais ou menos directivas.
Já aqui referimos que a vida em grupo passa por várias fases, assim como a do Animador com o grupo, passando por um momento de aproximação, maturação e de acção concreta nos contextos em que o grupo opera. Segundo os entrevistados, se a vida em grupo não partir de um processo coerente, flexível, dando tempo para que os processos de coesão grupal se estabeleçam naturalmente, a promoção da acção protagonista poderá ser limitada, ou até mesmo, precipitada. Uma das Animadoras entrevistadas, Raquel Louro, partilhou que só é possível um processo de promoção de uma acção protagonista por parte do grupo, se houver tempo de amadurecimento suficiente para que isso possa suceder. O aspecto da longevidade permite que o grupo pense a sua acção de uma forma concertada e coerente, tentando dar resposta aos anseios e potencialidades individuais num plano mais amplo e integrador de todas as sensibilidades.
Outra das linhas mestras dos processos de promoção do protagonismo juvenil, a partir dos testemunhos recolhidos, é a análise dos grupos com base no seu potencial e não apenas nas suas carências. Os jovens procuram maximizar as suas qualidades, ampliar o seu raio de acção e não que lhes lembrem os seus défices e constrangimentos nos mais variados campos de oportunidade e actuação social. É aqui que emerge a metodologia da ASC, baseada no potencial humano e alicerçada no trabalho do Animador.
Segundo alguns entrevistados, um dos aspectos que mais contribuiu para o sucesso de um processo preconizador do protagonismo junto dos grupos juvenis é o facto de serem os próprios jovens a participarem da concretização e operacionalização dos objectivos e actividades que dizem respeito à estrutura grupal. Este alinhamento faz toda a diferença, porque para além de implicá-los, permite desenvolver nos elementos do grupo competências de organização, gestão e negociação.