Diários de Kayseri, 2ª Serie - Parte IV - "Dores de Anjo da Guarda"

Passaram quatro dias mas parece uma longa temporada. Por um lado é óptimo porque somos capazes de ver todo o tempo a passar, perceber cada minuto e reavivar a memória com o que temos por cá e o que deixamos por lá. Por outro lado revela um lado menos positivo... sem querer ser propriamente impertinente, já participei e realizei dezenas de campos internacionais, inclusive aqui na Turquia... mas a falta de organização e ideias nesta actividade é inesperada e no mínimo faz-me pensar se sou eu que estou mal habituado. Não me interpretem mal, porque estou a viver intensamente cada momento, mas pelo grupo que aqui está, que é excelente, dos organizadores salvasse a simpatia e facto de serem atencisosos. Fico a imaginar o potencial deste campo internacional com os organizadores certos, porque o grupo tem muito para dar. Para exemplificar, todas as noites são livres para fazermos o que quisermos depois do Jantar, que é às 18 horas locais. Não me queixo, porque me deixa tempo para delirar o que me apetecer, mas não deixa de ser uma oportunidade desperdiçada. Repito, provavelmente sou eu que estou mal acostumado.

Fora este tipo de comentários, a minha dor de dentes virou obsesso, uma estreia no meu rol de sintomas ligados a problemas dentários, espero que melhore amanhã.

Segundo dia de competição e mais uma vez Portugal a dominar, sem qualquer tipo de exageros. Hoje fomos nós a organizar. Começamos com uma dinâmica de quebra-gelo com o suporte de balões, seguiu-se um jogo em que revivemos o tempo dos Descobrimentos e acabamos com uma Workshop de Kendo. Mais do que se terem divertido, todos foram capazes de perceber até onde conseguem funcionar como equipa. O resto do dia foi passado em visitas temáticas desenquadradas da dinâmica que nos trouxe cá (desde a visita à companhia de águas, passando por alguns momentos de espera despropositados).

Mas as dores que me têm acompanhado trazem de volta a humildade que por vezes o ser humano despreza, sentimento do qual não passo ao lado. Este sentimento torna-nos mais introspectivos e perspectiva o quão fraco somos em todos os sentidos. Nestes momentos volto ao meu anjo da guarda, que me acompanha desde sempre, e sob a forma de oração pagã conversamos sobre os darmas (prémios) e karmas (punições) que me têm sido destinados e percebo o que vou adiando, a sorte e o azar que tenho e as loucuras labirinticas em que alucino. Nos últimos anos assumi uma postura de "máximos", traduzindo, se puder ter o "Mundo" não me vou ficar pelo meu refúgio, embora a liberdade dos outros seja sempre um elemento transcendental desta equação. Hoje, inflamado pelas conversas com o meu anjo da guarda sobre as brasas desta dor de dentes introspectiva, talvez perceba que nem sempre percebemos o que é ter o "Mundo", porque na prática nunca o temos, só lutamos por ele, com ele e nele o melhor que podemos e sabemos com o tempo que temos... venha o dia 5... e que a Fada dos Dentes me livre destas dores por muito úteis que sejam...