Diários de Kayseri, 2ª Serie - Parte V - "Se a perfeição matasse, morria hoje..." - Continuação

Ontem a ausência de força mental, física e espiritual não me permitiu acrescentar mais linhas a um dia que marcará a minha incauta memória para os milénios que nunca terei. Sei que sou refém das minhas próprias palavras, mas queria retocar a questão da organização das actividades por parte dos nossos amigos turcos. Parece que tinham guardado tudo para ontem, foi um dia interminável, em todos os seus gigantescos sentidos.

Abrimos a manhã em Adana onde participamos num Workshop de Olaria Tradicional, momento único para descontrair e perceber o jeito que não temos para esta arte, mas foi irracionalmente divertido. Numa busca por aquela especie de gruta onde está instalada a loja dou de cara com réplicas das tabuletas da antiga civização suméria superiormente detalhadas. Para perceberem a importância destes itens históricos, boa parte das histórias do fim do mundo das últimas décadas e das próximas que se seguem tem a sua base nos antigos cultos sumérios que falavam de seres celestes que emergiam da luz para orientar o ser humano pelos caminhos da iluminação. Depois de ter estudado o assunto, é desafiante poder reorganizar as nossas aprendizagens no terreno, no concreto.
Seguimos para Nevshir, o coração da mítica Capadócia, a região das lendas, dos rochedos humanos, de mistérios que até hoje não entedemos. Após o almoço fomos recebidos no Centro Juvenil de Nevshir e presenteados com música tradicional turca ao vivo. Dançamos, fingimos que cantamos, agigantámo-nos com o sempre complementar chá. E muitas fotos após trocamos presentes. Seguiu-se uma recepção por parte do Secretário Regional da Educação e Juventude. Entretanto avançamos para o coração da Capadócia, o que me povoava a mente desde que aqui cheguei.
O autocarro começou por subir por entre ruas estreitas, cada vez mais devagar até que... uma enorme estrutura rochosa amarelada povoada por neve se ergue imponente por entre a paisagem. Saimos do autocarro deixamos o queixo fazer a vénia de expressão e espanto perante aquela magnitude.... esperem... dou a volta e aquilo não acaba... dezenas de kilómetros de construção esculpida dentro da própria rocha, num interminável desfiladeiro de formas que nunca tinha visto, abençoadas pela Natureza e adornadas por um Homem que ainda compreendia a Natureza e o seu equilíbrio. A partir daí a tarde foi uma interminável viagem ao início da humanidade, das antigas construções com mais de cinco mil anos à visita de um simpático camelo. São kilómetros de túneis, entradas em todos os recantos, como se este maciço rochoso fosse um enorme corpo vivo e os humanos que aqui habitaram o seu sangue.
Parto em piloto automático... paramos numa antiga Casa Otomana para tomar chá.... e segue-se mais um dia de competição, desta vez organizada pelos romenos e... novamente... em três jogos, os portugueses venceram dois... por favor alguma competição. Sei que estou a ser sobranceiro, mas é só para acrescentar texto. Nesta altura para todo o grupo já nem se importa de quem ganha.
Eis que quando pensava que nada mais me poderia deslocar da realidade, o jantar de 3h30m (começou as 20h locais e terminou as 23h30) deslocou o único vínculo que ainda tinha no espaço terreno. Entre práticos típicos assistimos a um espectáculo de dança tradicional turca que revivia as suas antigas lendas, histórias e heróis. Os momentos acrobáticos, o ambiente harmonioso, a companhia, a interacção, o esplendor de não ter que pensar para derreter cada miligrama da aura que esquecemos durante a semana banal do nosso dia-a-dia, o clima de cumplicidade de pessoas que comunicam pela forma como se olham, deixaram que não consiga encontrar semântica para acabar esta parte... foi de perder o fôlego (fotos no artigo anterior).



Dia 6, hora de Sky, espero sobreviver para contar como foi.... obrigado à Fada dos Dentes por esta pausa nas dores....