Perceber que ao fim de dez anos começamos todos os dias…

O tempo passa como um furacão e nem nos apercebemos que com o tempo fomos ultrapassados pelo próprio tempo sem que o nosso próprio tempo desse por isso. E é nesta confusão de processos que acertamos, erramos, redescobrimos, filtramos e alcançamos caminhos. E reforço a ideia de caminhos porque os lugares onde de paramos são meros pontos de passagem numa constante cavalgada que só termina no dia em que paramos de nos penitenciar pelos erros que cometemos.

E é um pouco sobre esses erros e acertos que todos cometemos ao longo do caminho que gostaria de reforçar na reflexão de hoje.

Fez no dia 7 de Março de 2011 10 anos que nasceu o Grupo Cavaleiros numa espécie de segunda versão. Quando digo segunda versão refiro-me ao facto de que na origem da PASEC esteve o grupo informal Cavaleiros que conheceu o seu início por volta de 1994, embora as iniciativas mais significativas tenham começado em 1996. E foi devido à acção do primeiro Grupo Cavaleiros que nasce em 2001 este novo grupo, na altura com o nome Mini-Cavaleiros Campeões.

Mas o tempo passa e em meados de 2005 o grupo Cavaleiros conhece o seu epílogo. Os Mini-Cavaleiros continuam, tendo alterado o nome para Cavaleiros em 2007. Substância histórica à parte, entre 2001 e 2011tudo mudou, embora muitos dos pilares permaneçam os mesmos, um deles o processo de educação não formal que esteve na origem do grupo.

O grupo tem hoje dez elementos, mas foram largas as outras dezenas que em determinada fase do seu ciclo vital o compuseram. A juntar a estas dezenas de crianças e adolescentes foram também alguns os Animadores que o grupo conheceu, pelas minhas contas cinco: primeiro o Bernardo e a Mayra, seguiu-se o Luís, mais recentemente a Patrícia e hoje a Bruna. De toda esta panóplia de personagens, ficaram para contar a história desde os primórdios, o Bernardo, que não sendo Animador do grupo é hoje Vice-Presidente da PASEC, e o Bruno, a Ana e o Alexandre, que têm dez anos “de casa”.

Pelo meio deste caminho cheio de desvios, devaneios, momentos ocultos, cerimónias irreais e experiências avassaladoras foram muitos os erros de casting, as “metidas de para na poça” e os enganos que nos magoaram, deram forma e nos trouxeram até ao que somos hoje. E vou começar por abordar esses mesmos erros na pele de Pedagogo e Animador.

O papel de Animador pode ser ingrato porque a influência e papel que desempenha na vida de cada um dos elementos do grupo está sempre na fronteira entre o que é certo e errado, na linha que pode separar um processo de manipulação de um processo de emancipação e capacitação. Estive já certamente nas duas situações, mas o que torna legítima este nosso papel que pode cair para qualquer um destes lados?

Não é fácil responder porque não podemos avaliar o nosso desempenho apenas com base nos resultados que alcançamos, estes são sempre variáveis e dependem dos olhos de “quem os vê”. Penso que a resposta mais simples é termos a consciência de que tudo o que fizemos, independentemente dos resultados, foi com a intenção de deixar o mundo “um pouco melhor do que o encontramos”, aceitando os nossos momentos de “soberba” como fogachos que servem de lição e as fortalezas humanos que ajudamos a erguer como um privilégio que nos permitirá cumprir mais uma etapa do papel que escolhemos desempenhar.

Não vale a pena nos assumirmos como plenos de boas intenções porque mesmo que em boa parte da nossa acção tenha por base os nossos bons intentos já todos erramos e assumimos posições “absurdas” conscientemente pelas mais variadas razões. Eu não sou diferente. E é na consciência destes factos que podemos diagnosticar a qualidade do trabalho que realizamos. È no conhecimento das causas e consequências do mau trabalho que fizemos que melhor poderemos avaliar os bons trabalhos que estamos a fazer e mais importante, que queremos e perspectivamos fazer.

Com o tempo este estado de consciência assume o formato de “alarme introspectivo” que nos mantém alerta sobre nós próprios, não permitindo que o absurdo vença em formatos ainda mais absurdos. Claro que como todos os sistemas de alarme, este é igualmente falível, mas reajustável e flexível na igual medida da nossa experiência. Consoante as etapas que percorremos, este mecanismo tornasse cada vez mais complexo, completo e capaz de nos auxiliar num maior e mais vasto conjunto de situações.

Assim, tendo por base os pressupostos anteriormente referidos, tenho orgulho nos caminhos que ajudei a traçar, nomeadamente no Grupo Cavaleiros actual. Mas este “quase sucesso” eternamente inacabado só se proporcionou porque tive a oportunidade de experimentar, de testar em Laboratório as formulas que considerava mais ajustadas, combinando-as com a partilha de experiências com “Mestres de Caminhada” que me formaram e permitiram perceber e interpretar outros saberes e fórmulas de que hoje faço uso. A consciência destes dois suportes (de que precisamos de ter a oportunidade de experimentar e a humildade para a aprender) auxilia-nos a perceber quando precisamos de ajuda, informação ou mudar de caminho, porque em alguma fase do nosso percurso estivemos, fizemos parte ou fomos interpelados pelo caminho de outrem.

Compete-me agora abordar a antítese do erro, o “darma” (prémio) de dez anos a acompanhar o Grupo Cavaleiros, as lições, o “legado”, a pedagogia implementada, porque não é tão usual assim um grupo informal de jovens subsistir e se erguer no tempo acompanhando as diferentes fases da vida dos seus elementos.

Para começar é preciso ter alguma sorte, depois muito entusiasmo e por fim o compromisso de que queremos aquele caminho. Depois de conjugarmos todos estes factores é essencial percebemos e termos a noção de processo e que este se constrói com base nas relações humanas, porque antes de tudo estamos a trabalhar com um grupo de pessoas que procuram a sua satisfação e realização pessoal.

Conscientes que estamos perante um processo grupal, este deve ter como ponto de partida as histórias de vida dos elementos do grupo, a suas experiências, as suas capacidades naturais. Um plano de acção inicial com base nestes pressupostos permitir-nos-á perceber o que o grupo como um todo realmente quer, para onde pode caminhar e onde deve e pode ser reorientado. E depois, é deixar o grupo crescer, errar, voltar a errar, tentar e por fim, se houver tempo, acertar. Com o tempo a relação de aprendizagem vai mudando, sendo que o que sentimos que estamos a dar e “ensinar” assume uma natureza recíproca. O Animador deve assumir uma postura de abertura e disponibilidade para aprender com o grupo que está a orientar, mesmo que não o demonstre. As lições mais valiosas para gerir um grupo estão nas entrelinhas de uma conversa, no detalhe de uma acção que nos passou ao lado, no resultado que não previmos. O grupo nunca é sobre nós, é sempre sobre “eles” e de que modo “eles” e “nós” somos ao mesmo tempo.

Durante este processo de descoberta mútua o Animador deve estar preparado para as encruzilhadas do caminho, sobretudo aquelas com que nunca lidamos. Exemplos, imaginem que descobrem que um dos elementos do grupo se emergiu no universo das Drogas, que um deles foi preso ou ainda que um deles é vítima de violência doméstica. O que fazer numa destas situações para as quais nunca fomos preparados? A resposta pode ser impossível, mas a nossa presença é inevitável. Por outras palavras, independentemente dos apoios e suportes que procurarmos para lidarmos com a situação no concreto, a nossa presença na relação directa com o problema é a oportunidade que temos para aprender, mais uma possibilidade que temos para fortalecer os laços em quem confiou em nós e sobretudo para testarmos a nossa resiliência, persistência, capacidade para gerir as nossas próprias frustrações e momentos de crise comuns.

Durante este caminho vamos ainda aprender a desaprender, a deixar de parte os preconceitos, a não considerar receitas universais (porque cada caso é um caso, e cada problema tem uma resposta diferente) e sobretudo a equilibrarmos a forma como abordamos os problemas criando uma matriz própria assente em valores que partilhamos com o grupo. Ao mesmo tempo vamos aprendendo a gerir a nossa Inteligência Emocional sem nunca descorar o processo formação contínua de melhoria e ampliação do quadro de técnicas pedagógicas que dominamos.

E entre todas as coincidências, acertos e erros, a principal lição que fica é que mesmo ao fim de dez anos continuamos a começar todos os dias… fazendo do amanhã o desafio seguinte que nos desperta o entusiasmo e o compromisso com base na fé que nunca é sobre nós… é sobre “eles”… porque afinal sou o que sou, em virtude do que todos somos.