Alguém vai deixar de ter tempo para existir...

Trabalho è 12 anos, mais coisa menos coisa, nunca tive de ficar de baixa médica e raramente faltei. A maior parte dos meus anos de labuta têm sido uma benção e, ano após ano, têm sido magníficas as surpresas que um ano traz após o outro. Refiro-me sobretudo aos últimos seis anos, desde que sou professor. Cada novo ano é uma rotina completamente nova, um desafio inesperado e um combate sem tréguas que não nos permite adormecer nem passar ao lado do que temos de ser.

Ao longo dos anos pus em prática as mais variadas metodologias e pedagogias, investindo numa dupla perspetiva de afetividade e autoridade, num ambiente de pedagogia partcipativa. Se os resultados pedagógicos, académicos e humanos foram sempre recompensadores, o mesmo não se pode dizer do real que circunda a vida do professor, sobretudo nos últimos 3 anos.

Antes de continuar importa deixar claro que considero um privilégio ser professor e que esta profissão ainda é , nos contornos atuais de crise, a mais recompensadora e humanamente respeitada. Mas como dizia, nos últimos 3 anos temos vindo a passar por mudanças, ditas estruturais, em nome de um bem maior, a chamada qualidade da prática educativa. Primeiro foi Bolonha nas Universidades e Politécnicos, depois os cortes cegos no Ensino Básico e Secundário, sobretudo nas Escolas com contrato de Associação, e por fim o fim das Novas Oportunidades. Pelo meio, em média, cada professor perdeu cerca de 30% do seu rendimento. Todos nós sabemos, balelas à parte, tudo é feito porque não há dinheiro, não me venham com eficiência e eficácia, porque quem hoje tem emprego na Educação em Portugal, é escravo, quem não o tem é vítima. Só sei que trabalho cada vez mais e ganho cada vez menos. Não está em causa que nos tinhamos de reorganizar, mas a verdade é que depois das sucessivas reformas, os professors deixaram de ter tempo para estar com os alunos, as escolas, espaços de socialização e democracia partcipativa, estão a tornar-se espaços de ocupação de tempos livres onde os jovens aproveitam para verificar algumas matérias e conteúdos. Em vez de alunos, docentes e discentes motivados temos um conjunto de pessoas a aturarem-se sem perspetivas e vitimas da quantidade (30 alunos por turma é uma irracionalidade).

Por fim apelam à nossa participação cívica e eu pergunto, se nem tempo tenho para existir, vou participar em quê e com que tempo... e para quem me conhece estou envolvido ativamente em 8 associações... Eu falei apenas do ensino, mas isto alastra a todos os setores da vida social, embora com realidades e vivências distintas..... no meio de tudo isto.... Alguém vai deixar de ter tempo para existir... eu pergunto-me, quando é que nos esquecemos que precisamos de tempo para entender o tempo, a esta velocidade vazia acabaremos todos por desaparecer na nossa própria falta de sentido. Repito, alguém vai deixar de ter tempo para existir, ... não permitam que isso vos aconteça... na família, com os amigos, com quem amam e no que realmente têm que fazer...