Por terras de Atros - O desafio da Misericórdia (Parte III)




Há desafios difíceis de entender, julgar ou mesmo aceitar, um deles é o exercício da Misericórdia. 

Hoje, pela manhã, fizemos a Vereda do Pico Vermelho, bem no coração de Atros. O desafio era simples. Rever Altri, Velho Sábio Ermita do Pico Vermelho que nos iria testar novamente perante o dito exercício. 

Altri gostava pouco de visitas. Para conseguir a sua atenção manda a tradição que lhe levássemos o melhor Hidromel, a sua bebida de eleição. Assim foi, vereda acima com 10 litros de Hidromel às costas. Chegados aos seus humildes aposentos, uma pequena cabana perto do topo do Pico Vermelho, ajoelhamo-nos em reverência e respeito pelo velho sábio ermita e oferecemos-lhe o Hidromel. 

Altri mandou-nos levantar, convidou-nos a entrar e partilhou connosco parte do Hidromel que lhe havíamos levado. Sem demoras questionou-nos: 

- Abraham, não te via há quase dez épocas anuais. Se te ponho de novo o olhar que ainda me persiste é porque me procuras em busca do que achas que esqueceste. 

- Velho Sábio, assim o é. Vinha humildemente pedir-te que me permitisses realizar novamente o Exercício da Misericórdia. Nos dias que correm preciso de me relembrar, de voltar a fazer o coração sentir que aqueles que me odeiam, que me fazem guerra, de quem desconfio também precisam que lhes estenda a mão. – repliquei à sua insinuação. 

Sem grandes rodeios, Altri levou-nos para a ravina do Pico Vermelho onde o abismo se fazia mais sentir. Atou uma velha e longa corda a uma estrutura de madeira e em seguida atou essa mesma corda aos meus pés. Sem me dar tempo para pensar indagou as seguintes palavras: 

- Para voltares a entender o conceito de Misericórdia tens de voltar ao último momento em que ela fez realmente sentido no teu coração. 

Depois destas palavras e sem que eu o pudesse questionar lançou-me ravina abaixo. Passou um, dois, três segundos… e a partir daí entrei num êxtase de eternidade. Como que paralisei enquanto caia. Senti a terra, o ar, a água e o fogo a fundirem-se à minha volta e da sua simbiose vi uma cara familiar que já não via à muito tempo. Era Lyntis, a Cavaleira Lince. 

Esta havia partido da Ordem dos Cavaleiros do Poder e da memória dos seus amigos em desespero, letargia e contaminada contra um universo que pensávamos nós, lhe queria bem. 

Quando a tentei questionar, voltei a realidade, e num momento de habilidade deixei que os meus braços amortecerem o impacto na rocha, lancei-me à parte superior da corda e escalei através da força de braços pela ravina acima. No topo Altri aguardava-me. 

Questionou-me: 

- Encontras-te o que procuravas? 

- Não sei bem Altri. Estou um pouco perdido. Revi Lyntis, alguém que já não via há muito tempo. – respondi. 

- A Misericórdia está na compaixão de estar disponível para o outro mesmo correndo o risco de ser rejeitado. A Misericórdia está no ato de perdoar quem não merece e não procurou ser perdoado. Quem te apareceu foi o teu coração a revelar por quem realmente revelaste Misericórdia sem nunca pensares nisso. Muitas vezes termos compaixão, sabermos perdoar, sermos misericordiosos acontece no nosso silêncio sem que quem teve essa bênção alguma vez o venha a saber. Vai meu amigo, o teu coração continua no sítio….