Diários do Serengeti – Parte II – Perceber a origem do nosso tempo…





Terceiro dia por Terras do Serengeti. Hoje estaríamos por Masai Mara, uma das grandes planícies de um paraíso que parece ter escapado aos homens. 

Quando procuramos a cura para o que somos, acreditamos que é no silêncio que mora a luz para as demandas da nossa escuridão. Masai Mara era esse recanto de silêncio que procurava. 

Partimos. Seriam dois dias de deserto total. O objetivo era rever os grandes cinco: o elefante, o leão, o leopardo, o búfalo e o rinoceronte. Estes são os cinco animais sagrados do povo Masai, tribo que deu nome à enorme planície, integrada no grande Serengeti. 

Não precisamos de muito tempo para que a longitude, o horizonte e a calma de Masai Mara se apoderasse de nós. 

Ao longe avistávamos os primeiros búfalos. Uma enorme manada caminhava de forma sumptuosa, aparentemente agressiva, mas era apenas a nossa incompreensão a enganar-nos. Continuamos caminho por entre centenas de gazelas, zebras, empalas e algumas girafas. À nossa frente uma enorme árvore parece ganhar vida. Os pássaros fogem dos galhos como se a escuridão se aproximasse. Três elefantes, dois enormes e um de pequeno porte emergem na nossa direção. Sentamo-nos de forma respeitosa em contemplação enquanto estes paravam para se alimentarem das pontas dos galhos da árvore mais frondosos. Por instantes, o mais imponente dos 3 olha-me nos olhos e confronta-me na minha alma. De forma ruidosa lembra-me “Deixa que o teu tempo te encontre…”. Foi um momento de êxtase e ao mesmo tempo de terror. Lembrei-me que me tinha esquecido da minha origem. Antes de acelerar o meu tempo, houve um tempo em que aprendi a ler o meu tempo, sem pressa, respeitando o tempo, dando o tempo ao tempo. 

A minha viagem acabava de mudar. Levantamo-nos mais descontraídos e caminhamos sem direção. Paramos para lavar a cara num pequeno riacho. Quando nos viramos de forma receosa avistamos um grupo de oito leoas a observar-nos de forma impávida e serena. Mais à frente o Leão alfa, o macho reinante do grupo não se importava com a nossa presença. 

Percebemos naquele momento sem relógio que os próprios animais nem nos ameaçavam nem nos temiam. O nosso tempo era o mesmo. Não havia manhã, tarde ou noite, havia um espaço temporal comum onde ninguém tinha medo de se perder, onde ninguém se procurava encontrar, só estar. 

Estava a ficar tarde, tínhamos de montar abrigo. Encontramos um enorme ébano com uma vasta copa que nos parecia ideal. Pernoitar acima do solo era o plano. Por um lado era um sítio seguro, por outro lado era uma localização privilegiada para ver as estrelas. 

Conversamos muito durante aquela noite até que, de repente, Mizegui parou de conversar, pediu-me silêncio e apontou para trás das minhas costas. Virei a cabeça e dei de caras com um leopardo a repousar num ébano oposto ao nosso a pouco menos de dez metros de nós. Não sabíamos há quanto tempo ele ali estava e como em todos os outros confrontos com animais que havíamos tido naquele dia, também ele se revelava confortável com a nossa presença. 

Aqueles dois dias passaram de forma rasante. Por entre gnus, avestruzes, magustos e outras incontáveis presenças acabamos por não conseguir ver o rinoceronte. Mas está tudo bem, ele acabará por aparecer. O meu coração estava onde devia estar. A companhia era a necessária, a aventura tinha deixado de o ser. Sentia que o meu tempo me voltava a encontrar. Reaprendia vagarosamente a ser a origem do que podia ser. Foi tão bom, tão confortável, tão perfeito. Mas ainda faltava o rinoceronte e essa aventura… era já a seguir.