Diários do Serengeti – Parte IV – O dia do rinoceronte branco




Era o nosso sexto dia por Terras do Serengeti. Íamos tentar pela terceira vez avistar o majestoso rinoceronte branco. Este gigante não conhece fronteiras e vagueia livremente por todo o Serengeti, tornando por vezes impossível a sua visualização. 

Estávamos nos Vales de Nakuru, bem no coração do Serengeti. Aqui a floresta é muito mais densa, a vegetação mais luxuriante e a dificuldade de fazer caminho muito maior. Após horas de caminho nas margens do Lago Nakuru, lá estavam eles, um grupo de sete rinocerontes brancos. Foi um momento de êxtase mesclado com o sentido do dever cumprido. O desafio de avistar os grandes cinco estava concluído. Depois do búfalo, elefante, leão e leopardo, lá estava o gigante sagrado que faltava, o rinoceronte branco. Para o povo Masai, o rinoceronte branco era o animal que tinha a capacidade para viajar entre o mundo dos espíritos e dos vivos. 

Mantivemos a distância e respeitamos o seu espaço. Sentamo-nos em observação e demo-nos ao dever da contemplação. Nestes dias deixei que os olhos de Mizegui fossem os meus olhos. Fiz uma escolha, perder-me no tempo de outros, na sua visão desorientada, nos labirintos do seu mapa de combate. 

O Serengeti era a casa simbólica do meu amigo Mestre Guardador de Sonhos onde havia aprendido a arte da orientação, a ler os astros pela noite e a prever o comportamento das chuvas, dos ventos e das intempéries. 

Mais do que deixar-me ir, libertei-me de itinerários e permiti que a perceção de Mizegui orientasse a minha loucura. 

Depois daquele dia mágico, como fazíamos todas as noites à volta da fogueira, partilhamos as emoções do dia. Nesta noite Mizegui recordava-me uma das principais lições que havia retido durante o seu treino no Serengeti: 

- No meu treino por aqui foram muitas as vezes que cai na tentação de achar que não havia mais nada para encontrar. Numa manhã quando treinava as artes do Arco e Flecha, partilhei este desabafo com um Mestre Masai. Fui reprimido de forma veemente. Contou-me que aqueles que só conhecem uma casa, que deram como certa uma morada, nunca perceberam realmente o mapa da sua própria existência. São estrangeiros dentro de si próprios. São incapazes de rever o seu próprio destino, corrigir uma rota, sair da sua própria tormenta. Ficaram presos num momento sem conseguirem ver o momento seguinte. 

Como o grande rinoceronte branco, nunca pares de expandir as fronteiras do teu mapa. Para os homens de mente livre as fronteiras só lá estão para nos lembrar que temos de continuar a caminhar.