Diários do Serengeti – Parte V – A hora do Kilimanjaro





Sétimo dia. Hoje era a hora do Kilimanjaro. A enorme montanha que dividia o Serengeti dos domínios de Amboseli, conhecida como a Terra Negra. O desafio era passar o lago Naivasha, avistar os seus inquietos hipopótamos e marabus para em seguida arriscarmos a subida até ao cume da Casa do Deus Negro, nome pelo qual era conhecido o Kilimanjaro entre as tribos locais. 

Logo nos primeiros momentos do dia enchemos a canoa de mantimentos e navegamos pelas águas calmas do Naivasha rumo ao nosso objetivo. Na acalmia da viagem fomos presenteados pelo voo rasante dos marabus, tivemos dificuldade em passar despercebidos entre dezenas de hipopótamos e para nossa surpresa, fomos abençoados por um espetáculo único. Bem à nossa frente, um grupo de pelicanos buscavam alimento, num momento de voo picado de enorme elegância e intensidade. 

A viagem continuou. A determinada altura encostamos a canoa e continuamos a pé. Ao fim de quase um dia de caminho e com o por do sol como pano de fundo, lá estava ele, a Casa do Deus Negro, o enorme Kilimanjaro com quase seis mil metros de altitude. 

À nossa frente avistamos um enorme ébano com alguns velhos troncos na sua base a encenar uma espécie de cadeirão dos deuses. Deixamo-nos encostar. 

Foi por ali que montamos a tenda e preparamos a fogueira para a noite. Entretanto Mizegui sugeriu que parássemos para apreciar os últimos momentos de sol. Nessa altura perguntei-lhe: 

- Acreditas mesmo que ali habita o Deus Negro? Os Masai contaram-me que nas alturas de seca é a ele que recorrem para pedir a bênção das monções. Por sua vez, os Hakmed contaram-me histórias que o Deus Negro, sempre que convocado, castiga os humanos pelos seus pecados, pela sua ambição. O que achas destas lendas? 

Mizegui ficou silencioso por uns segundos e respondeu com outra pergunta: 

- E tu meu amigo, em que Deus acreditas? 

Paralisei com aquela pergunta, mas não me detive: 

- Acredito que a beleza, o amor, a esperança e a bondade foram imaginadas por alguém superior às nossas limitações. Não sei que nome lhe dar, só sei que nos encontraremos algures. 

MIzegui pareceu surpreendido com a minha resposta. Sorriu, abraçou-me e em seguida desviou o olhar na direção da grande montanha: 

- Acredito que aquele de que falas está hoje aqui connosco. 

Foi um momento surreal. Na minha vida tive muito poucos momentos de certeza ou de quase ausência de dúvidas. Este era de forma retumbante um deles. Pela primeira vez tinha sentido num só abraço a beleza, o amor, a esperança e a bondade.