Diários de Tempus 2 – “Deixar cair a pedra…”




Hoje era o dia de ir visitar o Vale da Lua para me ir encontrar com o meu velho amigo, Mestre Bottelli. 

Para chegar ao Vale da Lua o caminho não é fácil. Temos de atravessar a Cordilheira do Monte Limbara. Numa primeira fase subimos a pique para depois descemos de forma vertiginosa. Os avistamentos são deslumbrantes. Do topo do Limbara conseguimos ver todo o Vale da Lua que termina junto ao Mar da Tranquilidade, como se de um rio de majestosas rochas se tratasse. 

O Vale da Lua é conhecido pelos seus imensos maciços rochosos que em frente ao mar erguem-se na forma de animais míticos e figuras lendárias. É um local silencioso onde o vento de forma suave parece sussurrar a nossa presença. 

Numa rocha com uma ampla base lá estava Bottelli com três aprendizes. De forma respeitosa aproximei-me, sorrimos um para o outro, mas não falamos. Sabia que estava em treino. Sentei-me silenciosamente enquanto escutava os seus ensinamentos. 

Bottelli tinha pedido a um dos seus aprendizes que segurasse uma pedra com o braço estendido. Nesse momento ele questionou-o: 

- Se ficares de braço estendido durante uma hora o que acontecerá? 

- O meu braço ficará cansado Mestre. 

- E se pedir para segurares a pedra mais quatro horas? – voltou a questionar Bottelli. 

- O meu braço começará a pesar mais e mais e o desconforto dará lugar à dor. 

- E imagina que te peço que te desafies a não deixar cair a pedra até ao próximo amanhecer. O que te acontecerá? – desafiou Mestre Bottelli. 

- Mestre, o meu braço acabará por ceder. Perderei as forças de tantas dores que sentirei. 

- Escuta bem as palavras que disseste meu bom aprendiz. A forma como abordaste este desafio é o mesmo que muitos seres humanos fazem a si mesmos. Agarram-se a acontecimentos passados, a memórias e sentimentos perdidos que nunca conseguiram resolver e com o tempo deixaram-se corromper, contaminar deixando que a dor os consumisse. Muitos dos desafios que ficaram por resolver nunca mais serão resolvidos. Já foram, já passaram. Importa agora o desafio seguinte que te irá fazer superar e fará emergir o que tens de melhor. Quando já não fizer sentido, deixa cair a pedra e avança. Não tens de vencer todos os desafios. Algumas das maiores vitórias que teremos residirão na nossa capacidade para ultrapassar ou somente passar ao lado do que nos corrompe. 

Ao ouvir estas palavras revi-me nelas. Depois deste momento os aprendizes de Bottelli retiraram-se e eu e ele podemos meditar em conjunto.