Quando escalas a montanha que "era" impossível - Diários de Ethérnia - Parte VI



Era o meu último dia em Islam, Ethérnia. Hoje era dia de tentar o que nunca tinha feito, mergulhar na minha própria loucura e subir a Colina dos Pilares de Gaia, a montanha impossível de escalar devido às suas paredes lisas. Este é um dos treinos impossíveis que todos os Mestres dão aos seus Aprendizes no sentido de testar a sua resiliência e compromisso, mas mais do que isso a sua intuição e capacidade de superação. Todos são convidados a escalá-la até ao momento em que aprendem que se devem retirar.

Numa longa noite, à algumas épocas anuais atrás à volta da fogueira, eu e alguns Mestres partilhávamos histórias. Mestre Chitra, velho amigo, contava-me a grande lição que havia aprendido a atentar escalar os  Pilares de Gaia:
"- Para mereceres aprender os desafios e os mistérios do que é ser um Cavaleiro do Poder tens antes de tudo aprender a o que significa a retirada. Existem desafios inúteis, que em tempo algum serão superados. No nosso intimo temos de descobrir quais as montanhas que realmente merecem ser escaladas. Perante as que não conseguimos escalar devemos ter a sabedoria de nos retirar-mos, retemperar-mos forças e avançar-mos para o desafio seguinte porque o nosso tempo não para." 
 
Eu sabia que esta lição fazia todo o sentido até ao dia que deixava de fazer. Com o tempo melhorei a minha técnica, reaprendi e as minhas capacidades de orientação e amplifiquei o meu domínio dos elementos. Há um dia em que escolhemos a retirada, mas há dias em que sabemos que temos de voltar onde impossível deixará de o ser.

Subir os Pilares de Gaia tinha, no entanto, um preço. Subir a montanha não significava só superar-me. Entre os Mestres da Ordem dos Cavaleiros do Poder, subir os Pilares de Gaia significa que o seu Caminho da Redenção reiniciasse e que tudo o que é supérfluo fica para trás. Significa que escolhemos um novo início com aqueles que estiverem dispostos a caminhar connosco, deixando para trás o e quem, livremente, escolhe ficar ou simplesmente não sente a necessidade de continuar a "escalar". Estar disposto a pagar esse preço pode significar ficar sem o colo ou o abraço que nos acolhe, ficar sem os ouvidos que estão dispostos a escutar-nos, ficar sem o lar que sempre foi o nosso. Porquê por tudo em causa? Esta é uma pergunta que um vos reponderei, mas não hoje. 

E assim foi, comecei a escalada.

Ao contrário do que possam esperar a subida não épica, foi natural. Tudo o que aprendi e superei fez-me perceber que a montanha impossível era só o ponto de horizonte de que não podia fugir. A partir daqui só sobravam a perguntas mais difíceis:
- Quem ainda tinha comigo? Que lar iria encontrar? Que braços me iriam acolher? Estaria eu em silêncio ou solidão?
Mas como nos lembra o Livro dos Elementos: "Quando escolhemos escalar a montanha que falta seremos sempre causa e consequência da forma e do destino que escolhemos superar."
O prazo da verdade era curto e começava a contar, mas esse já não estava nas minhas mãos. Brevemente tinha uma montanha ainda maior para superar.