O que deixaste por fazer? - Diário dos Viajantes Perdidos - Parte II


Lembrei-me hoje de uma das mais estranhas conversas que havia tido com uma das pessoas que mais me inspirou no meu caminho de Mestre Aprendiz. Falo de Mizegui Takasugui, Mestre Guardador de Sonhos e meu amigo de longa jornada. Lembrei-me dos nossos dias de aprendizes em Islam, enquanto treinávamos no Templo das Lágrimas de Sangue.

Todas as noites parávamos à volta da fogueira nas margens do Rio Mormon. A nós juntavam-se outros aprendizes, que um dia esperavam ser Mestres, que por ali ficavam noite dentro a rever o dia e a partilhar histórias dos seus territórios de origem. 

Numa dessas noites decidimos arriscar, pegar num barco, e desta vez a conversa seria rio acima com a Lua como pano de fundo. Juntaram-se a nós mais alguns aprendizes do nosso grupo de treino, Marty, Lag, Ruy e Anna. Não éramos muito entendidos nas artes de Marinheiro, mas lá arriscamos e até correu bem. As águas do Mórmon estavam calmas.

Nessa noite, sem fogueira, mas com a Lua a iluminar o nosso círculo, nomeio de todos os temas de conversa, Mizegui questionava-me acerca do que tinha deixado por fazer:
- Quando pensas no que já passou, que aventuras sentes que deixaste de viver? - perguntou Mizegui
- Já fui vítima da apatia, da falta do falso tempo e da paralisia, mas acordei a tempo. - respondi
- E quando é que percebeste que tinhas acordado? - voltou a perguntar
- Quando me cansei de ouvir os outros a contar as suas histórias e eu a ter de inventar as minhas. - respondi.
- Muito bem, mas quando é que foi o ponto de viragem? - insistiu.
- Acho que foram tantas as vezes que me senti adiado e que achava que o meu dia ainda iria chegar, que simplesmente foi acontecendo. - voltei a responder.
- Meu bom amigo, nada mais errado achares que foi acontecendo. Se assim o entendes ainda não aprendeste nada. Significa que confias na sorte e na coincidência. E embora estas existam nunca foram boas conselheiras. 

Houve um dia em que decidiste que não irias esperar mais por um convite, houve um dia em que decidiste que o rumo da próxima viagem iria ser sob o teu comando, houve um dia em que decidiste partir e desta vez outros te seguiram, não foste apenas tua a seguir o outro.
Tudo o que semeares agora vai permitir colher, mesmo que a tempestade destrua parte da colheita. Se nada semeares, nada poderás colher, e aí em vez de uma tempestade terás de gerir a inexistência.

Não deixes nada por fazer, sabendo tu que nunca farás tudo o que pretendes. Não adies as aventuras, sabendo tu que nunca terás toda a sabedoria para escolher todas as aventuras que merecem ser escolhidas. Cuida agora das pontes que podes arquitetar para que no dia no dia em que precisares de passar a margem exista uma ponte e uma nova história por contar.