O que amordaçamos não morre, mata-nos - Diários dos Universos Paralelos - Parte III


Terceiro dia em Dorey. Hoje iria treinar o poder da Travessia através do elemento terra.

Como vos contei, o poder da Travessia é a capacidade de um Mestre Cavaleiro do Poder se conectar com os Universos Paralelos, para aprender o que só podes aprender com os Mestres da Antiguidade, para resolver memórias perdidas de infância e para divagar pelo Universo Espiritual, aquele que nos transcende e vive noutro Cosmos. 

Na minha primeira experiência deixei que a Travessia acontecesse de forma natural e que fosse o meu coração de forma traiçoeira a manobrar as intenções do meu inconsciente. Hoje, ao contrário da última experiência, queria de forma consciente viajar para uma escolha própria. Havia uma memória que tinha de perceber.

Durante o meu Treino com Mestra Edvania há conversas que ficaram por existir e ciclos por fechar, pelo menos dentro do meu coração. Era para aí que queria viajar. Manifestei a minha intenção a Joberto que me questionou se queria rever uma memória ou Mestra Edvania. Porque havia uma diferença entre procurar uma memória ou alguém. Ainda para mais Edvania que ainda era viva. De facto, para aquela intenção a Travessia não fazia muito sentido. Mas mesmo assim escolhi fazer a Travessia, a minha prioridade naqueles dias era ampliar o meu poder. 

Escolhi uma memória específica da minha experiência de treino com Edvania. Durante os anos de Aprendiz junto dela sempre discordei da relação distante que mantinha com os seus Aprendizes, sobretudo da falta de oportunidade que tínhamos de nos pronunciar sobre o que estávamos a treinar. Lembro-me sobretudo num treino de orientação noturna em Islam. Todos se perderam nas catacumbas da velha cidade e demoramos dias a voltar a encontrar a saída. Quando voltamos a reencontrar Edvania ficamos sem perceber a razão do mesmo. Um dos seus Aprendizes, do qual não me lembro o nome, pediu esclarecimentos e a sua resposta foi o silêncio. No dia seguinte mandou-nos de volta para o mesmo exercício. O resultado foi de novo desastroso. Mesmo assim, na altura, não me pronunciei. Até hoje fiquei sem perceber as suas intenções. Lembro-me de toda a equipa ter ficado exaltada, mas ninguém, ou por respeito ou por medo, era capaz de partilhar o que sentia junto de Edvania. Escolhi essa memória para fazer a minha primeira Travessia através do elemento Terra.

Joberto levou até às cavernas de Kain, velho sepulcro sagrado de Dorey. Entramos até que a escuridão tomasse conta de nós e iniciamos a etapa do silenciamento que nos permite entrar na Travessia. Colocamo-nos em posição de Lotus, encostamos as mãos às paredes da cavidade e deixamo-nos entrar em conexão. Desta vez fui eu a orientar a entrada em transe.

De um momento para o outro dou por mim de volta aquela memória. Olho para mim mesmo calado num canto a ouvir os sussurros de desalento dos Aprendizes de Edvania. Transportei Joberto pela minha memória, retalhei todos os pormenores que podia. Estava na hora do retorno. Mais uma vez a minha visão ficou turva e voltamos lentamente à nossa realidade.

Depois daquele momento, partilhei a minha incúria com Joberto. Este, sem emitir julgamentos sobre Edvania, deixou a sua visão com a qual concordo sem reservas:

- Meu bom amigo, aquilo que fica por dizer fazer vai-te perseguir. Podes até nem ter razão mas é importante expressar o que está a reter o nosso espírito, mais não seja para perceber que novo caminho podemos seguir. Com a maturidade e experiência percebi que aquilo que não dizemos acumula-se no corpo, transforma-se em noites sem dormir, nós na garganta, nostalgia, dúvidas, insatisfação, tristeza e perturba a nossa visão. O que amordaçamos não morre, mata-nos.