O "Eu" era o "Nós" - Diários do Livro dos Elementos - Parte III


Tinham passado 4 dias desde que chegamos a Milénia. Hoje era o dia de completar a Prova Elementar do Mar Imenso. Com esse intuito de barco partimos para a Ilha de Fai. Como vos tinha contado, comigo estavam os meus aprendizes Yber, Voltur e Leo. Para esta prova precisava de escolher um deles. 

A prova do Mar Imenso tem lugar nas águas da Caldeira de Porto Pim, na costa nascente de Fai. Reza a tradição que devemos mergulhar nas suas águas acompanhados de alguém em quem confiamos e juntos, devemos tentar estabelecer telepatia. A prova do Mar Imenso pretende fazer-nos perceber que o que sentimos não se limita ao "eu" e pode existir no "nós". O que vem a seguir era uma história que ninguém contava. Para esta viagem escolhi Leo. 

Esperamos que o Sol se pusesse. Yber e Voltur também foram connosco, mas na hora de submergir nas águas de Porto Pim, só eu e Leo podíamos entrar. Mergulhamos até ao fundo possível e sentamo-nos em posição de Lótus. Fechamos os olhos e em meditação procuramos a mente um do outro. Enquanto o fazíamos um vazio saudável tomava conta de nós. 

Aos poucos conseguíamos ouvir os ecos dos golfinhos e baleias que nos rodeavam. De olhos fechados deixei a minha aura estender-se até tocar a aura de Leo. Nessa fase uma cor púrpura tomou conta do momento e as nossas mentes interconectaram-se violentamente. Os ecos dos golfinhos e baleias tinham-se tornado em palavras que compreendíamos, o vazio saudável dava lugar a um horizonte incandescente que incendiou as profundezas do mar. Conseguia sentir as angústias e a felicidade de Leo. Nesse instante percebi que também Leo sentia as minhas angústias e os caminhos obtusos da minha felicidade.

Deixamo-nos ficar. Não sei quanto tempo passou, mas entretanto voltamos à superfície para o lado de Voltur e Yber. 

Quando emergi virei os meus olhos em direção à Lua e compreendi que tinha visto as arestas imperfeitas da minha angústia e felicidade de uma forma que nunca tinha experimentado antes. Tinha visto e sentido o que era pelos olhos de outro. O "Eu" era o "Nós" ao mesmo tempo. Nesse dia percebi que para compreender um novo poder não precisas de ver o que ainda ninguém viu, mas pensar naquilo em que ainda ninguém pensou sobre o que todos veem.