“A Bússola do Nada…” - Diários do Caminho da Transcendência… - Parte V

 

Estávamos de partida de Khiva para voltarmos a casa. Tinham sido dias muito intensos, em que tinha sido obrigado a reordenar as latitudes e longitudes que ditavam a bússola do meu coração. Estava mais perdido que encontrado, tinha agora ainda mais perguntas, mas isso era parte das portas que tinha conseguido reabrir, das fendas pelas quais tinha conseguido passar e pelos novos desfiladeiros invisíveis que a minha alma me tinha permitido desvendar.

Estava, por agora, mais ansioso, mas com muito menos medo de abraçar, rir por nada e chorar de alegria, porque emocionar-me é só uma parte natural do processo de coexistir. Mas antes de partirmos, reza a tradição pós provas do Legado, que partilhemos com os aprendizes que nos acompanham um novo poder que os torne em melhores Mestres. É uma espécie de último tributo que prestamos ao privilégio e ao facto de termos terminado as provas do Legado.

Para este último momento, convidei novamente Mizegui, companheiro de jornada e Mestre Guardador de Sonhos, que me havia acompanhado na prova do Bushido, para se juntar a mim Yoannes, Milnar e Pachamama.

Sentamo-nos na sombra de uma enorme torre cilíndrica no centro de Khiva, chamada da Torre do Luar Eterno. É o símbolo da cidade, está lá desde que qualquer um se lembra.

Sentados em círculo escolhi como aprendizagem final partilhar o princípio da Bússola do Nada, que nos revela o poder da dualidade dos elementos e dos conceitos mais poderosos. Comecei por desenhar a forma de uma bússola no chão e comecei a partilhar:

- Não existe uma resposta efetiva ou exata, existe uma perceção, uma memória, uma interpretação do que a nossa consciência consegue ouvir ou quer apreender. Normalmente, as certezas absolutas mais não são que armadilhas disfarçadas de boas intenções que permitem às consciências pesadas coabitarem em paz com os seus próprios pecados. Para conseguirmos perceber melhor esta dualidade temos a Bússola do Nada.

Todos estavam muito atentos, enquanto Mizegui sorria suavemente na minha direção. Então continuei:

- A Bússola do Nada põe em causa os conceitos de poder mais venerados pelo homem. Nascemos a acreditar que a propriedade, a certeza, o controlo e os limites são realidades com as quais temos de nos confrontar. Mas confundimos confrontar com paralisia, estagnação e inércia. Quando o confronto significa fazer frente, avançar. A Bússola do Nada revela-nos: que não existe propriedade, existe o tempo em que permaneces na vida dos outros e nos espaços que percorres; que não existem certezas, apenas as crenças que o mundo que te rodeia permitiu que construísses; que não existe controlo, apenas a expectativa que o plano que engendraste vá resultar; que não existem limites, apenas as fronteiras que tu estiveres disposto a ultrapassar.

Depois da minha lição partilhamos pontos de vista, tivemos a nossa última refeição, despedimo-nos de Mizegui e, finalmente, estava na hora de voltar a casa.