Ivar, quem nos havia convidado para cá estar, tinha sido treinado na sua resistência e resiliência nas gélidas montanhas de Rekiam. Durante os treinos de sobrevivência, foi ensinado a pescar em profundidade nas águas do Mitvan, a temperaturas negativas.
Em Rekiam os meios de subsistência são precários, por isso todos os recursos que a natureza dispõe são explorados, mas de forma harmoniosa. Nem eu, Mestre da Ordem dos Cavaleiros do Poder, nem Cleo, guerreira de muitas guerras que o mundo há-de contar, tínhamos qualquer experiência em territórios tão inóspitos.
Ivar desafiou-nos a aprender a pescar em profundidade. Hoje só jantaríamos se fossemos capazes de pescar a famosa truta mitvare, o peixe mais abundante do lago. Ivar era Mestre da Ordem dos Cavaleiros do Poder especialista em artes de sobrevivência, caça e orientação. Pescar com ele não seria usar uma simples cana de pesca. Implicava mergulhar a mais de 15 metros de profundidade, não perder os sentidos bem ventre das águas gélidas do Mitvan e, com um arpão, ter o discernimento de capturar uma truta mitvare no seu habitat natural. Pelo meio tínhamos de apurar os sentidos, a focalização e a intuição. Mais que ouvir ou ver, tínhamos de sentir as águas, a sua corrente e movimento natural. Tínhamos de ser parte da natureza do corpo das águas do lago.
Ivar treinou-nos durante horas. Era altura de enfrentar mais um desafio. Sem grande surpresa não conseguimos apanhar qualquer truta. Para nossa satisfação, Ivar havia conseguido, o que salvava o nosso jantar. De qualquer forma, nunca me esquecerei de quando voltei à superfície. Ao sair da águas, mal sentia o meu corpo, mas a visão das majestosas montanhas calejadas de neve que se erguiam a milhares de metros acima do lago numa sintonia perfeita com a natureza em redor, deixou-me em silêncio durante uma pequena "eternidade". Sabia que tinha de ter estado ali. Um imponente por do sol completou aquela momento de plenitude.
Há noite, à volta da fogueira, enquanto cozinhávamos a truta que Ivar tinha capturado, partilhávamos a importância de um guerreiro saber escolher o essencial, nomeadamente em territórios como Rekiam. Conversávamos que muitos guerreiros haviam sido treinados na fartura e que nada sabiam sobre o silêncio ou a harmonia. Apenas interpretavam o seu papel enquanto falsos heróis de guerra.
No meio desta conversa, Ivar colocou-nos uma questão:
- Sabeis a diferença entre o que vocês querem e o que precisam?
Não era uma pergunta que estranhasse. Respondi:
- Eu tenho uma resposta mas hoje, Ivar, é dia de ouvir a tua.
- Bem amigos, a verdadeira sabedoria sobre o equilíbrio é quando percebemos que o queremos é o que precisamos...
Entretanto, já tarde, apagamos a fogueira. Cleo e Ivar foram pernoitar. Eu fiquei um pouco mais, em silêncio, frente às águas do Mitvan, a olhar as estrelas e a Aurora Celestial, perguntando ao tempo: " Afinal o que quero é o que eu preciso?"