“O equilíbrio entre a liberdade e a disciplina…” - Diários das Neves Eternas – Parte V

 



Sétimo dia por terras de Kirtipur.

Estávamos a caminho do Annapurna, a mais sagrada das Montanhas das Neves Eternas. De três peregrinos perdidos a caminho do impossível, eramos agora sete. Mas as coisas tinham mudado radicalmente. Comigo, Lucy e Yber estavam agora em viagem Vijay, Oriume, Soto e Naraian. As nossas hipóteses de atingir o Annapurna eram muito maiores. Tínhamos todo o saber dos Clãs Guerreiros Naga e Sherpa ao nosso dispor na experiência de Soto, Oriume e Naraian.

Estávamos a meio da nossa aventura e hoje tínhamos de atravessar a floresta de Tarapani.

A densa floresta ergue-se no vale de Annapurna por entre colinas e desfiladeiros tortuosos. Estava mesmo cansado e esgotado fisicamente. O meu corpo era guiado pelo meu espírito e o meu espírito pela minha intuição silenciosa.

A contrário de mim, Yber, Lucy e Vijay, Oriume, Soto e Naraian estavam no seu território e pareciam fazer tudo sem grande esforço. Não me lembro de o meu cansaço ser tanto.

Mas este dia seria sobre a sabedoria ancestral de Naraian e a cultura Sherpa e a sua relação com a natureza.

Viajar até Annapurna significa ver paisagens arrebatadoras. Por entre as entranhas de Tarapani, conseguias ver o imponente Annapurna a erguer-se, entretanto és parado por uma série de búfalos de água. Mais à frente, surge uma escadaria feita por Guerreiros Sherpa que nos eleva até à etapa seguinte. A meio do percurso dás de caras com uma cascata curiosa, sublime e delicada que te convida a parar e descansar. Entretanto paras para ver as cores da floresta e da montanha que lhe dá sombra. Percebes que és demasiado limitado para alguma vez conheceres todo o mundo que precisavas conhecer.

Durante esta experiência de liberdade extrema reparava na forma como Naraian nos orientava no percurso, na disciplina com que nos obrigava a parar só para percebermos o que estávamos a ver, na ligação metafísica que estabelecia com os animais e plantas em seu redor.

Depois de mais uma etapa tortuosa, paramos numa clareira com uma visão sumptuosa sobre o Annapurna. Nesse momento, dirigi-me a Naraian:
- Naraian, quem é o Guerreiro Sherpa que nos ensinou os detalhes do caminho?
- Referes-te a mim?
- Claro, meu novo amigo.
- Não te ensinei os detalhes do caminho. Convidei-te a viver a tua liberdade. Estavas em tanto sofrimento que te esqueceste dela.

Paralisei por segundos, mas percebi o que queria dizer. Ouve etapas do caminho em que as dores do corpo tomaram conta do meu discernimento. Humildemente, pedi a Naraian que me ensinasse de que forma via ele a liberdade. Convidou-me a sentar e partilhou:
- Meu amigo, para um Sherpa a liberdade não existe sem disciplina. A disciplina organiza a liberdade, dá sentido ao teu treino, dá voz aos teus valores, dá sentido à missão que escolheste viver. Quando escolhes a liberdade, escolhes a disciplina de parares para teres a conversa que deves ter, escolhes ter mais tempo para organizares o que precisas de aprender, percebes onde deves estar em vez de onde achas que queres estar. O equilíbrio entre a liberdade e a disciplina são o que permite ao Guerreiro encontrar a montanha que está preparado para subir.