“O verdadeiro modo de não saber nada é aprender tudo ao mesmo tempo…” - Diários das Neves Eternas – Parte III

 


Quarto dia em Katmandu, altura de partir em direção a Pokhara, o último ponto de paragem em direção ao Annapurna, a montanha mais sagrada de Kirtipur, as Montanhas das Neves Eternas. Com mais de oito mil metros de altitude, não era, no entanto, o seu ponto mais alto. Esse era a majestosa Etera, a mais alta montanha do mundo conhecido.

Mas o nosso objetivo era o Annapurna e o privilégio de poder ver o nascer do Sol do alto da montanha sagrada e por fim, só ficar, estar e sentir o universo a comunicar connosco. Para fazer este caminho contávamos com Vijay e agora, Soto e Oriume, dois destemidos guerreiros do Clã Naga. Seriam eles os nossos guias e tradutores do terreno inóspito que nos esperava.

Mas antes da grande aventura, tínhamos de atravessar todo o Vale de Pokhara, mais de 200km de caminhos e carreiros feitos pela natureza e esventrados pelo homem. A última paragem seriam os Lagos de Pheua, bem no coração de Pokhara.

Juntamos só o essencial e fizemos caminho. Não foi muito fácil, sobretudo a grande altitude. Mas com a ajuda de Soto e Oriume tudo se fez. Chegados a Pheua, Pokhara já com o Sol a pôr-se. Acendemos uma fogueira e montamos acampamento.

Nessa noite quis conhecer melhor o legado dos Naga, que como já vos tinha contado eram guerreiros conhecidos por atuarem na sombra, por não deixarem vestígios da sua ação. Segundo os antigos, ainda hoje, na vastidão da bruma, são eles quem permite segura passagem a todos os peregrinos que buscam o caminho da espiritualidade nas montanhas sagradas de Kirtipur.

À volta da fogueira ceamos e Soto contou-nos parte do seu treino e a forma como ainda novos eram encaminhados para um caminho de sacrifício, treino dos sentidos, ligação à natureza e disciplina extrema. Com o tempo, estes princípios entranhavam-se na alma e tornavam-se parte do que eras e do que serias, no agora e no sempre. Ao mesmo tempo, Soto explicou-nos que cada Naga era especialista em alguma arte de guerra, terapia ou ligação espiritual. No seu caso, ele era especialista a ler trilhos e a perceber o que neles havia transitado nos dias anteriores. O que para a nossa aventura era essencial.

No meio das nossas divagações, Yber perguntou:
- Soto, um Naga não tem medo de nada?
- É uma boa pergunta. Mas acho que não existe um guerreiro que não tenha medo de alguma coisa.
Mas Yber insistiu:
- Mas se tivesses que definir o teu maior medo, qual seria?
Soto paralisou durante segundos, mas respondeu:
- Yber, o meu maior medo é não ter a paciência para aprender tudo o que precisa de ser apreendido. Por vezes não damos tempo ao tempo e passamos ao lado do nosso caminho. O meu Mestre Espiritual sempre me ensinou, o verdadeiro modo de não saber nada é aprender tudo ao mesmo tempo.

Yber ficou pensativo, mas eu, melhor que ninguém, entendia a lógica temporal de Soto. Também eu tinha sido vítima da minha falsa falta de tempo.

Depois de longa conversa, apagamos a fogueira e formos descansar.