“ O sentido da morte e a forma como aprendemos…” Diários das Neves Eternas – Parte VIII

 


Estou de partida de Kirtipur.

Tinham sido 12 dias absolutamente transcendentais. Havia voltado a lidar com a minhas limitações de ordem física, realidade com que não me debruçava há muito tempo. Com as limitações físicas vieram também as dúvidas de fé sobre o que sou e ajudei a construir e por fim, a certeza de que continuo a nada saber. Novos amigos como Naraian, Oriume e Soto fizeram-me voltar às lides da verdadeira humildade

Depois de descermos o Annapurna e voltarmos a Katmandu, capital de Kirtipur, a Cidade das Cores, tivemos uma última tarefa, participar numa cerimónia de homenagem a Uai, sacerdote que deu origem ao Uahíde, religião que domina estes territórios e que professa a ligação inquestionável entre o homem e a natureza, defendendo que são um só na forma, na intemporalidade e no espaço.  A cerimónia pretendia agradecer a nossa viagem, a bênção que haviam sido estes dias e os novos laços de amizade que havíamos criado. Seria Vijay a orientar.

Foi uma cerimónia simples em que fomos agraciados com os lenços de Uai, que pretendem retratar uma nova união entre povos que nem o tempo nem o espaço podem apagar. Da nossa parte, o gesto que escolhemos foi um sincero abraço. Para além disso, cada um de nós deixou ficar um objeto pessoal como oferenda a Uai. Eu deixei um colar que me havia sido oferecido por uma das minhas aprendizes, Yber deixou a sua adaga e Lucy o seu diário de aventuras.

Estava na altura da partida derradeira.

Partilhava convosco nos Diários das Neves Eternas que havíamos mudado. Não é que tivéssemos aprendido algo completamente novo. Mas há lições que vividas ganham um sentido completamente distinto.

Para os Uahíde a vida não é um conceito linear, nascemos e morremos. A vida é um conceito circular, intemporal. Morremos e voltamos a nascer como parte da natureza que sempre nos acolheu no espaço/tempo. Já conhecia esta visão da vida terrena, mas nunca a tinha experienciado. Desta forma cada vida que passamos é mais uma etapa rumo ao Ki, o dia em que a nossa energia se funde definitivamente com a natureza universal.

Na religião Uahíde a morte é uma passagem, um portal e oportunidade de recomeçar e voltar a aprender. Por isso a forma como aprendemos conta, o que fazemos com que aprendemos é quase tudo.

Assim, Uai, Sacerdote Ancestral dos Uahíde ensinou que “Aprender significa fazer, não apenas ouvir e ver”. Uai encarava o aprender como parte deste conceito de vida circular, e que não havia aprendizagem que não fizesse parte do que ele chamava Aprendizagem Sustentável. Ele ensinava que:

- Os pilares da Aprendizagem Sustentável são: quem ouve esquece; quem vê imita; quem justifica não faz; quem faz aprende; quem aprende produz; quem produz inova; quem inova sustenta e quem sustenta é feliz.

Não podia partir com melhor lição. Sabia que voltaria. Até breve.