Estou de partida de Kirtipur.
Tinham sido 12 dias absolutamente transcendentais. Havia
voltado a lidar com a minhas limitações de ordem física, realidade com que não
me debruçava há muito tempo. Com as limitações físicas vieram também as dúvidas
de fé sobre o que sou e ajudei a construir e por fim, a certeza de que continuo
a nada saber. Novos amigos como Naraian, Oriume e Soto fizeram-me voltar às
lides da verdadeira humildade
Depois de descermos o Annapurna e voltarmos a Katmandu,
capital de Kirtipur, a Cidade das Cores, tivemos uma última tarefa, participar
numa cerimónia de homenagem a Uai, sacerdote que deu origem ao Uahíde, religião
que domina estes territórios e que professa a ligação inquestionável entre o
homem e a natureza, defendendo que são um só na forma, na intemporalidade e no espaço.
A cerimónia pretendia agradecer a nossa
viagem, a bênção que haviam sido estes dias e os novos laços de amizade que havíamos
criado. Seria Vijay a orientar.
Foi uma cerimónia simples em que fomos agraciados com os
lenços de Uai, que pretendem retratar uma nova união entre povos que nem o
tempo nem o espaço podem apagar. Da nossa parte, o gesto que escolhemos foi um
sincero abraço. Para além disso, cada um de nós deixou ficar um objeto pessoal
como oferenda a Uai. Eu deixei um colar que me havia sido oferecido por uma das
minhas aprendizes, Yber deixou a sua adaga e Lucy o seu diário de aventuras.
Estava na altura da partida derradeira.
Partilhava convosco nos Diários das Neves Eternas que havíamos
mudado. Não é que tivéssemos aprendido algo completamente novo. Mas há lições
que vividas ganham um sentido completamente distinto.
Para os Uahíde a vida não é um conceito linear, nascemos e
morremos. A vida é um conceito circular, intemporal. Morremos e voltamos a
nascer como parte da natureza que sempre nos acolheu no espaço/tempo. Já
conhecia esta visão da vida terrena, mas nunca a tinha experienciado. Desta
forma cada vida que passamos é mais uma etapa rumo ao Ki, o dia em que a nossa energia
se funde definitivamente com a natureza universal.
Na religião Uahíde a morte é uma passagem, um portal e oportunidade
de recomeçar e voltar a aprender. Por isso a forma como aprendemos conta, o que
fazemos com que aprendemos é quase tudo.
Assim, Uai, Sacerdote Ancestral dos Uahíde ensinou que “Aprender
significa fazer, não apenas ouvir e ver”. Uai encarava o aprender como parte
deste conceito de vida circular, e que não havia aprendizagem que não fizesse
parte do que ele chamava Aprendizagem Sustentável. Ele ensinava que:
- Os pilares da Aprendizagem Sustentável são: quem ouve
esquece; quem vê imita; quem justifica não faz; quem faz aprende; quem aprende
produz; quem produz inova; quem inova sustenta e quem sustenta é feliz.
Não podia partir com melhor lição. Sabia que voltaria. Até
breve.