A noção de Privilégio - Diários das Terras de Ninguém - Parte V


Os últimos dias em Lublia estavam a chegar. Mestre Tito tinha-nos proporcionado momentos intensos, mas a experiência maior estava guardada para o último dia. Hoje iriamos até ao Vale de Ragúzia, o vale sagrado onde havia sido descoberta a forma de dominar a Magia da Cor. Era também a casa de treino de Tito, onde ele havia aprendido a dominar o seu poder, o da Magia da Cor, o poder de manipular vida a partir da energia da Natureza. 

Tito pretendia dar-nos a honra de entender como fazer uso da Magia da Cor. Era um saber ancestral que só era partilhado com quem fosse capaz de o devolver aos que realmente dela precisavam. 

Chegamos a Ragúzia com o Sol ainda a nascer. Tito levou-nos até as cascatas de Plevitze. Com mais de cinquenta metros de altura, atrás delas ficava o Raguziorum, Templo da Magia da Cor. A entrada eram as entranhas da montanha por detrás da cascata e todo o templo era escavado na rocha. 

Para entrar tivemos de ir de barco e evoluir por entre a vertigem das quedas de água de Plevitze. Estávamos todos encharcados, mas lá conseguimos. Entretanto caminhamos até a Lagoa da Cor, bem no centro do Templo. Para sentir e compreender a Magia da Cor temos de entrar na Lagoa, depois devemos deixar-nos flutuar, fechar os olhos, e evocar os quatro elementos através da nossa imaginação simbólica enquanto pronunciamos o Mantra da Cor, código ancestral que ativava o nosso poder de evocação. 

Para este exercício de treino apenas eu, Tortuga e Lyn podíamos participar. Eleph, Hermes e Sims não podiam. Não tinham experiência suficiente na visão de Tito.

Tito ensinou-nos o Mantra da Cor e depois deixamo-nos envolver pelas águas serenas da Lagoa. Lentamente deixamo-nos flutuar. Entretanto, mentalmente começamos a evocar o Mantra da Cor. Na minha mente vi a minha energia em tons azuis a ligar-se à terra que me circundava. Era capaz de sentir os mais pequenos animais em redor e, inclusive, perceber a temperatura do solo. Aos poucos comecei a conseguir perceber diferentes energias, umas mais fortes que outras, a perceber cada ser vivo que me rodeava, desde sentir o cansaço de um velho carvalho mesmo à entrada das cascatas à intensidade vital de um pequeno roedor que se passeava nas margens da Lagoa. Ao fim de várias horas voltamos do transe e daquela experiência transcendental. 

No tempo que havíamos dedicado aquele exercício era impossível aprender a aplicar o poder da Magia da Cor. Para isso seriam necessários anos. Mas conseguimos agora perceber o que era sentir a energia da vida que transborda e coexiste na Natureza. Depois daquele momento de privilégio fizemos o caminho de volta.

Uma vez mais Tito convidou-nos a terminar o dia a avistar o por do Sol. Sentados em meio círculo perante a majestosa Plevitze com o por do Sol como companheiro, Tito questionou-nos: 
- Amigos, antes de voltarem a casa gostaria que partilhassem comigo o que de mais importante aprenderam em Lublia. 
- É difícil escolher uma aprendizagem Mestre Tito, mas posso hoje dizer que reconheço melhor o privilégio que é ser Mestre da Ordem dos Cavaleiros do Poder. - respondeu Tortuga 
- Acho que usaste a palavra correta Tortuga. - Completei. 
- Como assim usei a palavra certa? - questionou Tortuga. 
- Privilégio é um momento que poucos percebem, menos ainda os que alguma vez o viveram. Nestes dias aprendi que o Privilégio não é uma concessão, é o momento em que o mundo te devolve a paz e serenidade para perceberes porque é que estás aqui. Hoje Tito, agradeço-te teres-me lembrado o privilegiado que sou.