Aprender o que deixei de ver - Diários do Espelho - Parte II

 

Já passavam alguns dias desde que tínhamos chegado a Vórtex, as ilhas mais distantes da civilização do Arquipélago de Milénia. Eram duas as ilhas, Vortéx Maior e Vórtex Menor.

Estava a ajudar Edh, Mestre Dragão da Montanha, em Vórtex Maior, a rever os seus velhos escritos para que o mesmo pudesse redigir um livro de memórias. Edh considerava que o tempo passaria e temia que o que aprendera não prosperasse no mundo novo que ajudou a nascer. Dessa forma, escrever um livro de memórias seria mais um contributo para o mundo que no futuro não iria conhecer, mas que fazia questão de ajudar a construir. Edh acreditava que se todos fossem capazes de deixar registado o que de melhor aprenderam, o risco de nos perdermos na vaidade, na guerra, na mentira ou no ódio seria muito menor.

Neste dia Edh pegou em mais um punhado de velhos escritos, organizou-os e guardou-os na sua mochila. Depois convidou-me a improvisar uma pequena refeição. Hoje sairíamos do sopé das cascatas de Bacanis e emergiríamos de barco até Vórtex Menor. O meu sorriso foi imediato. Vórtex Menor era há muito tempo um objetivo, nomeadamente o Caldeirão da Lua, uma enorme cratera bem no coração de Vórtex Menor que guardava um conjunto de espécies de plantas e animais único em todo o universo conhecido. Os últimos Cavalos da Lua existentes habitavam lá. Era uma viagem que almejava muito fazer.

Preparamos tudo e lá fomos mar a dentro. Eram três horas de barco entre as duas ilhas se o vento ajudasse. O caminho entre Vórtex Maior e Vórtex Menor é também ele um assombro. Torneamos a ilha e fomos visitados por frondosas cascatas, avistamos grutas misteriosas e fomos guiados por golfinhos, tubarões e por mais um conjunto de espécies marinhas que desconheço.

Chegados à costa de Vórtex Menor era hora de subir as enormes falésias até à Caldeira da Lua. O caminho era sinuoso, mas Edh conhecia-o bem. Chegados ao topo após mais de cinco horas de viajem o meu coração parou, sustive a respiração e perdi por segundos os sentidos. Como era possível tanta beleza em estado bruto num sítio só. Naquele momento sentei-me, deixei o coração pausar e só contemplei. À minha frente erguia-se um cenário verde lilás intenso, polvilhado por cavalos selvagens e dezenas de outras espécies de plantas que nunca havia visto. Estava noutra dimensão.

Edh, de sorriso aberto, estava feliz com a minha reação. Foi então que exclamou:
- Mais uma montanha superada, velho amigo!
Pausei alguns segundos, sustendo a minha respiração e fechando os olhos. De olhos ainda na penumbra respondi:
- Sim meu amigo, mais uma montanha superada. Mas esta Edh, esta é diferente… esta lembra-me todas as outras.
- Como assim?
- Sempre que subo uma montanha lembro-me da história por contar, da mágoa que ficou por partilhar, do pedido de ajuda que ficou por fazer. Por isso nunca deixo uma montanha a meio. Tenho de a subir toda. Sempre que subo a montanha que me faltava subir vejo as montanhas que ainda não tinha subido em novas perspetivas. Aprendo o que deixei de ver. Entendo que ainda há horizonte que não compreendo.

Depois destas palavras ceamos. Entretanto era hora de voltar ao trabalho e à leitura dos velhos escritos de Edh, mas desta vez com o deslumbrante cenário da Caldeira da Lua como casa.