Cada um de nós é uma viagem eterna - Diários da Superstição - Parte III


Era o meu quinto dia em Sião. Hoje seria o dia de treinar o segundo pilar das Artes da Elevação. O segundo pilar refere que " a perda é como um portal da alma...lembra-te que nada é eterno mas permite que uma nova viajem se possa iniciar". 

Mas antes de irmos ter com Mestre Pexár, eu e Samantha fomos visitar a sua mãe. Shue, mãe da minha amiga, recebeu-nos calorosamente e convidou-nos a tomar uma refeição. O repasto foi uma espécie de caldo picante de jasmim que me deixou a garganta arder. Após a refeição era altura de seguir caminho.
 
Fomos recebidos por Pexár a meio do dia no Templo de Thai, mas não era este o lugar que nos esperava. Montados num elefante tínhamos uma viagem de mais de meio dia até à Lagoa de Kok, casa sagrada das Tribos Lana. 

Hoje aprenderíamos a Cerimónia das Janelas Eternas, uma forma de inverter o sentido da perda, despertando em cada um que a pratica o sentido de oportunidade que perda pode despertar em cada um. Esta cerimónia tem lugar na Lagoa de Kok em noite céu limpo. Recorrendo ao barro tintado encarnado, uma espécie de barro usado pelas Tribos Lana para inscrições na pele, inscrevemos nas nossas costas as perdas insuperáveis que nunca chegamos a resolver. Depois agradecemos aos Espíritos da Lagoa o privilégio de ali estar. A Lagoa representa a janela da viagem seguinte, as inscrições nas nossas costas a perda que será a lição que jamais esqueceremos. Entretanto mergulhamos até à máxima profundidade possível e depois deixamo-nos elevar até à superfície deixando o corpo boiar em forma de meditação. Nessa fase, na presença dos Espíritos da Lagoa, comprometemo-nos à viagem seguinte, ao próximo capítulo que a nossa missão em vida permitirá alcançar.
  
Assim o fiz. Foi um momento muito intenso. Enquanto boiava na companhia das estrelas deixei que as lágrimas tomassem conta de mim e lembrei-me do idiota que era e da falta que sentia de amigos e amigas que um dia amei. No final, o meu coração concentrou-se nas viagens que ainda ia fazer. Em particular concentrei-me no abraço que devia ao meu pai e à minha mãe.
  
No final da noite, em volta da fogueira, enquanto ceávamos, Pexár perguntou: 
- Abraham, meu bom amigo, o que aprendeste hoje durante a Cerimónia das Janelas Eternas? 
- Pexár, meu amigo, hoje mais que aprender, percebi que somos uma viagem eterna. Aprendemos que não há como evitar a perda. A liberdade de cada um assim o determina. Sei há muito que tenho de respeitar a viagem que cada um escolhe fazer. O que acabo por esquecer é que também devo respeitar a viagem de dor que o meu coração não escolheu fazer. Hoje percebi que vou ter de aceitar que nem sempre serei capaz, que me vou magoar, que não vou estar preparado, mas, no fim do dia, essas são apenas mais razões para não adiar a viagem do dia seguinte. E essa viagem é o fluxo interminável da viagem eterna que cada um de nós é.
  
Depois da minha partilha falamos durante horas. Entretanto fomos descansar. Mais aventuras inesperadas teriam lugar na viagem dos próximos dias.