O poder do Elefante Alfa - Diários da Superstição - Parte IV


Era o meu sexto dia por terras de Sião. Hoje era o dia de dominar o terceiro pilar das Artes da Elevação. O terceiro pilar indica-nos: "O poder é a capacidade de mudar o imóvel, o que está mal e o que pode ser elevado. É a oportunidade de dar e receber. Não é teu, não é de ninguém, é a responsabilidade de todos que alguns vão exercer."


Para perceber este pilar da Elevação, Pexár iria levar-nos a experienciar o ritual do "Elefante Alfa". Este ancestral ritual remonta a tempos que não estão documentados. Sabe-se que vem muito antes da história conhecida.
O exercício consiste em confrontar olhos nos olhos o líder de uma manada de Elefantes no seu estado selvagem ao ponto de este nos permitir a interação com o seu grupo como se fizesse-mos parte deste. 
Não havia relatos sobre os resultados deste exercício, por isso iamos à descoberta. Nesta aventura, tinha comigo, mais uma vez, Samantha. 

Imergimos no santuário natural de Chiang, densa floresta onde habitavam as maiores manadas de elefantes de Sião. Caminhamos durante horas até nos cruzar-mos com algumas pegadas frescas. Seguimos o trilho e perdidos entre o denso arvoredo avistamos três elefantes. 

Deixamos Pexár orientar a aproximação ao grupo. Levemente aproximamo-nos, mas quando ninguém esperava, atrás de nós ergue-se um magestoso Elefante. Samantha fugiu no sentido oposto. Eu, sem pensar, num momento de sintonia com Pexár, levantei a mão e olhos nos olhos do Elefante pedia intuitivamente que se acalmasse. O colosso animal ergueu-se perante nós nas suas duas patas traseiras em tom ameaçador. Pexár permaneceu inamovível. O seu exemplo deu-me a segurança para permanecer. Mantivemos os nossos olhos colados aos olhos do magestoso animal. Percebemos que estavamos perante o macho alfa do grupo. A sua reação agressiva era natural. Estava a proteger a sua família e nós eramos o potencial agressor. 

Após alguns minutos fui capaz de ver o meu rosto refletido nos olhos daquele ser mítico. Nessa altura, numa atitude mais calma, o poderoso macho alfa serenou e passou por nós como senão fossemos mais uma ameaça.
  
Tinha sido tudo muito rápido, pelo menos havia sido isso que sentira. Eram muitas emoções para pouco tempo. Ao fim de algumas horas já conseguiamos interagir com o grupo de elefantes de forma saudável enquanto se alimentavam. 

Pexár nunca teve tempo de me explicar o ritual do "Elefante Alfa", mas também não era preciso, aquela experiência titânica havia revelado o propósito do exercício. 
Naquele momento, apesar de me ter sentido vulnerável, sabia que não estava em minha casa, sabia que precisava do espaço e tempo de quem dominava aquelas paragens. Só ai o meu espaço e tempo se tornaram no mesmo do Rei daquelas paragens, o Elefante de Chiang. Como nos ensina o terceiro pilar da Elevação, o poder é a capacidade de mudar o imóvel, o que está mal e o que pode ser elevado. Naquele momento eu era o ser imóvel, o que estava a mais e precisava de descobrir o seu espaço e tempo. Em seguido o terceiro pilar ensina que o poder é "a oportunidade de dar e receber... não é teu, não é de ninguém, é a responsabilidade de todos que alguns vão exercer". Naqueles instantes o Elefante Alfa deu-nos a oportunidade de ser acolhidos , de viver um "nós" que não conheciamos. Naquele momento tornamo-nos seus pares. Ai relembrei que o verdadeiro poder é a coexistência. Todo aquele episódio fazia-me lembrar a minha relação de "poder recíproco" com os meus aprendizes. Tinha sido uma experiência filosófica, mítica e íntima. Antes de regressar voltei a olhar nos olhos o do meu novo "Mestre" e agradeci-lhe intuitivamente pelo privilégio de ali estar.