A viagem é uma responsabilidade... - Diários da Areia - Parte III


O meu quinto e sexto dias em Jerash foram passados nas entranhas de Dextra, Cidade Mãe do Reino da Areia, também denominada de Cidade do Chamamento Divino. A cidade era na sua maior parte subterrânea. Tinha incontáveis subníveis. Era estranho, mas sem nenhuma indicação de qualquer direção, era fácil perceber para onde queríamos ir. Era como se a cidade chamasse por nós.
  
Naqueles dias coloquei-me no papel de aprendiz de Haxim, Mestre das Artes Secretas da Linguagem do Intocável. Treinamos todo o tipo de saberes ancestrais associados à Linguagem do Intocável. Aprendi a prever o curso da água no mundo subterrâneo, a cozinhar a partir do calor das entranhas da terra, a caminhar na escuridão e a ler trilhos por entre tempestades de areia. 

Dextra impressionava a cada recanto. Fosse pela colossal e impossível construção que representava, fosse pela forma cerimonial como viviam as suas gentes. Todos nos acenavam com simpatia e reverência. 

Haxim queria que eu presenciasse a Ihad Maestra, uma espécie de Conselho de Mestres Ansiães que governava Dextra. Todo o quinto dia da semana lunar reuniam para partilhar e refletir sobre os velhos manuscritos da era dos Deuses do Antigamente. 

Tínhamos entrado no subnivel limite de Dextra. Dei por mim num salão imenso com uma luz incandescente. Era a denominada Arena dos Deuses. 

Parecia dia. O cheiro a mirra e jasmim davam um estranho cheiro e aroma aquele espaço. Estranho, mas agradável. Humildemente recolhi-me a um recanto para presenciar aquele privilegiado momento. 

Haxim juntou-se aos seus pares, os Mestres Ansiães. O Ansião Mor, Lor, deu ordem para que se iniciasse mais uma reunião da Ihad Maestra. Cada Mestre dissertava sobre uma moral que vivenciara ou que estava a ensinar ao seu clã de aprendizes tendo por base os velhos manuscritos. 

Mestre Ahud, também conhecido como o Sábio Roxo, partilhou: - Para conhecer os amigos é necessário passar pelo caminho do sucesso e insucesso. No sucesso conhecemos a quantidade, no fracasso conheço a qualidade. 
Por seu lado, Mestre Luayd, Guerreiro das Noites de Neblina, exortou: 
- Aprendemos o mistério da vida de dentro para fora. Quando começas por dentro, a vida muda por fora. Partimos da alma e da nossa essência para a ponte que nos liga ao nosso papel na humanidade. 
Por fim, o próprio Haxim, acrescentava: - Vida sem ação é sonho, ação sem visão é pesadelo. 

Quanto mais ouvia, mais pequenino me sentia. Tudo o que estava aprender não podia ficar estagnado nas vielas mal governadas do meu coração. Para minha surpresa, Mestre Ahud pediu-me para também eu partilhar o que aprendera naqueles dias. Nesse momento, pausei por segundos, mas não me detive. Eis as palavras que evoquei: 
- A viagem é a responsabilidade que te é dada de perceber que o caminho ainda não terminou... depois é hora de o ensinar a quem o escolhe continuar...