Hoje seria um dia especial. Teria a oportunidade de viver o Iahd, cerimónia de evocação dos Deuses Antigos e que desvendava, segundo Haxim, a Linguagem do Intocável.
O Iahd tinha lugar em Dextra, a Cidade Mãe de Jerash , também conhecida como a Cidade do Chamamento Divino. Acontece durante a noite, quando a Lua, em representação da Deusa da Noite, atinge o seu ponto mais alto.
Dextra é uma cidade esculpida no coração das montanhas. Os seus templos, ruas e vielas são dentro dos maciços montanhosos e nas escarpas que as montanhas permitem que vejam o horizonte. Fica entre desfiladeiros colossais pintados de areia dourada que escorrem por entre paredes imponentes. É tão monumental e desmedida que alguns dizem ter sido erguida pelos Deuses Antigos quando assumiram formas humanas.
Durante o Iahd, eu, Cleo e Lucy fizemos em silêncio o caminho a pé entre as Portas da Redenção (entrada sagrada de Dextra) e o Templo do Chamamento Divino. Durante o caminho ouvíamos os cânticos muito suaves protagonizados pelas Hilia, Irmãs do Chamamento Divino, congregação de mulheres sacerdotisas que faziam a segurança noturna de Dextra.
Durante a caminhada, os cânticos das Hilia assumiram a forma de chamamento emocional. Por momentos o meu coração pausou, adormeci os sentidos e a minha alma viajou. O meu corpo continuou em movimento, mas a minha alma elevou-se do corpo, ganhou vida própria permitindo que me visse em perspetiva. Naquele momento era como se existissem dois de mim ao mesmo tempo.
Chegados à entrada do Templo fomos convidados a sentarmo-nos em posição de contemplação, a fechar os olhos e meditar enquanto que os cânticos continuavam, ganhando intensidade gradualmente. Nessa altura senti a minha a alma voltar ao meu corpo. Foi aí que senti a mais incrível das sensações. Percebi que passei para além do tempo. Naquele reflexo temporal almas de todos os momentos passados e presentes ecoavam num mesmo espaço/tempo em forma de consciência coletiva onde a luz e as cores não tinham estrutura e se confundiam com o próprio som. Era uma sensação de conforto e calor que nunca tinha sentido. Era como se todos os sentidos e emoções do mundo fossem uma só. Entendia agora o que era a Linguagem do Intocável.
Foi um momento que havia estado para além do universo que conhecia mas que revelava ao mesmo tempo todo o universo que a minha alma e o meu cosmos conseguiam ser.
Nesse dia redigi o seguinte texto no meu diário de viagens: "Quando pensamos em tudo o que cada um de nós é, percebemos que cada um de nós é um universo. Somos todo o universo e todo o universo somos todos nós. Somos o todo num só e cada um de nós faz parte do todo. Foi neste poema milenar que descobri a energia divina que nos liga a todos..."