Diários do Náufrago – Disciplina e Sensibilidade - Parte II

Terceiro dia por terras das Ilhas do Vento. Estávamos na Ilha dos Magos de passagem para chegar à ilha de Antão. Iriamos participar no Festival dos Náufragos. Enquanto esperávamos, tiramos uns dias para rever Edh e com ele conhecer os recantos, tradições e populações da Ilha dos Magos.

Depois de Tafal, a aldeia de pescadores, Edh levar-nos-ia até à Cidadela dos Magos, ao chamado Templo da Sensibilidade. Hoje aprenderíamos como era a iniciação de um aprendiz da Ordem dos Magos do Vento, velha ordem de Oráculos que há muitas centenas de épocas anuais atrás haviam povoado estas terras em fuga de forças que não respeitavam nem compreendiam as suas crenças. Os tempos eram outros, e os tempos de perseguição aos Magos do Vento há muito que haviam passado.

O Templo da Sensibilidade ficava mesmo no meio da Cidadela. Erguia-se de forma sumptuosa num pequeno planalto no cento da povoação.

Edh apresentou-nos a Chafá, Oráculo-Mor do Templo da Sensibilidade. Para quem não sabe o que é um Oráculo, são Mestres capazes de ler o futuro, o passado e que interpretam o presente de forma divinatória. A Magos do Vento eram Oráculos que dedicavam a sua vida a ler a história e a interpretar as lições que mais ninguém era capaz de ver. Armazenavam todo o saber que produziam no Templo da Sensibilidade para poder ser usado por posteriores gerações. Chafá era o atual líder espiritual da Ordem dos Magos do Vento.

Hoje iriamos passar pela prova de iniciação de aprendizes denominada de “Suspiro da Escuridão”. Eramos vendados e largados num recanto recôndito da Ilha dos Magos. Depois tínhamos de voltar pelos nossos próprios meios, mas sem nunca tirar a venda.

Chafá chamou todos os aprendizes ao centro do Templo da Sensibilidade e convidou-nos a que nos juntássemos a eles. Explicou a prova e o porquê desta. Mais do que apurar os sentidos, a prova pretendia que cada um fosse capaz de olhar o mundo a partir da escuridão que jamais pensou enfrentar. Com a ajuda de vários Oráculos, fosse a pé, de barco ou carroça fomos largados em todo o tipo de locais da ilha. A nós, eu, Sims, Pachamama e Sarah tocou-nos uma aldeia de artesãos, no extremo sul da ilha a pouco mais de meio dia de caminho.

Como em tempos aprendi, pedir ajuda é o supremo ato de inteligência. E assim foi. Não nos furtamos a falar com todos os desconhecidos que nos apareciam nas proximidades. Por fim conseguimos que um agricultor nos levasse de carroça de volta ao Templo da Sensibilidade.

Foram precisos dois dias para que todos fossem capazes de regressar às dependências do Templo. Nessa altura Chafá voltou a juntar todos no centro do Templo da Serenidade em assembleia. Chafá iniciou então a sua dissertação:

- Dou-vos os parabéns nobres amigos. Todos foram capazes de voltar. Pergunto-vos agora. Que poderes tiveram de usar para vencer a vossa escuridão?

Embora um pouco generalista todos entendiam o que Chafá queria perguntar. As respostas foram imensas, mas o conceito de disciplina foi comum à maior parte dos aprendizes. A conversa avançou e depois de ouvir todos, já com o por de sol como companhia, Chafá fechou o desafio com as seguintes palavras:

- De facto foi a vossa disciplina que vos permitiu fazer o caminho de volta. Ela deu voz a tudo o que já haviam aprendido. Mas não foi só a vossa disciplina por si só, foi o que ela revelou em cada um de vós. A disciplina é a força que nos permite olhar a motivação de forma saudável, é o musculo que sustenta e organiza a nossa liberdade, é o horizonte que te permite encarar com otimismo o nascer de cada dia. Mas ela não é cega nem relativa. Ela dá voz ao teu código de conduta, permite que a tua ética aconteça e alimentasse da tua sensibilidade.

Nessa noite jantamos com Chafá e o resto dos aprendizes. Tinha sido um privilégio estar ali com eles. Amanhã viajaríamos para Vicente, o último ponto de paragem antes de Antão.