Era o nosso nono dia por Terras das Ilhas do Vento. Estávamos na Ilha de Antão para participar no Festival dos Náufragos, evento que pretende homenagear todos aqueles que escolheram viver longe de tudo, como era o caso dos Feiticeiros da Ordem de Antão, instituição secular que dava vida ao festival.
Em concreto viemos ao Festival para participar no Desterro
dos Náufragos, prova que testa a tua humildade e a tua capacidade de leres os
teus círculos viciosos e virtuosos e como estes te afetam. Para um Mestre da
Ordem dos Cavaleiros do Poder como eu e os meus companheiros, este seria um exercício
de enorme relevância.
Estávamos divididos por grupos. Edh e Sims ficaram comigo.
Sarah, Pachamama e Linus ficaram noutro grupo. A cada grupo foi atribuído um
mentor. Connosco ficou Mestre Feiticeiro Loahd. A prova tinha lugar, como já vos
tinha contado, no ilhéu do Desterro, a norte da ilha de Antão, na antiga prisão
dos Feiticeiros de Antão.
O primeiro dia tinha sido passado a conhecer-nos. Agora
começaria verdadeiramente o Desterro dos Náufragos. A prova passa por expormos
aquelas que pensamos ser as nossas verdadeiras convicções, máximas e crenças,
percebendo de que modo elas são produtos dos nossos ciclos viciosos e virtuosos.
O objetivo final passa por perceber de que modo somos capazes de criar ciclos
harmoniosos que façam sobressair mais as nossas virtudes sem, no entanto,
deixar que esqueçamos os nossos vícios.
Loahd levou-nos a descer uma ingreme falésia até uma praia
quase inacessível. Aí pediu que fizéssemos uma arena com enormes pedras de
basalto. Pediu que colocássemos uma no centro. Indicou que nos sentássemos.
Colocou então a seguinte questão:
- Lembram-se da vossa mais importante obra, do vosso mais
impactante feito?
Todos acenaram com a cabeça. Ele continuou:
- Não preciso que me contem qual foi ou como foi. Quero que cada
um se sente ao centro e nos ensine o que aprendeu com a sua obra. Quero
perceber o que foram capazes de aprender quando sentiram que estavam a ajudar o
outro.
O primeiro foi Sims:
- A lição que retiro da obra que me lembrei foi que sempre
que achares que descobriste a tua sentença lembra-te de tudo o que foste, és e
ainda podes ser. Aí perceberás que a única sentença possível é a pergunta “O
que vem a seguir?”
Seguiu-se Edh:
- Lembrei-me do dia em voltei para a minha família. Aí percebi
que somos a melhor versão de nós próprios no dia em que deixamos só de
acreditar e passamos também a fazer o que de melhor podemos devolver ao mundo.
Era a minha vez. Eu havia-me lembrado do meu papel enquanto
Mestre de alguns dos meus aprendizes com obras mais relevantes. Entre outros,
lembrei-me Sofera, Tartarus, Pachamama e Nuhad. Lembrei-me de como havia sido
feliz em tudo o que havíamos partilhado. Partilhei:
- A lição que gostaria de partilhar vem do meu papel de
mentor dos meus aprendizes e do caminho que fizemos. Aprendi que há caminhos
que nos levam à realização, há caminhos que nos levam à felicidade e há
caminhos que nos levam à felicidade que nos realiza. Escolho a terceira
hipótese.
Loahd ouviu-nos com atenção e pôs-nos em meditação durante
quase meio dia até sol se por. Pediu-nos que nos focássemos no caminho que
aquela aprendizagem tinha feito até aos dias de hoje e que mecanismo a tinha
tornado tão importante. Pediu que meditássemos de olhos abertos e com respiração
regular.
À noite voltamos à arena que havíamos construído com pedras
de basalto. Um a um foi ao centro e deu a sua explicação. Invariavelmente
argumentamos que havia sido aquilo para o qual tínhamos sido treinados e que
com disciplina e resiliência havíamos aprimorado.
Loahd em nenhum momento nos corrigiu, mas ensinou-nos uma
valiosa lição, o Horizonte da Harmonia:
- Ouvi com atenção o que me contaram. Não nego nada do que
dizem, mas hoje gostaria de vos ensinar o Horizonte da Harmonia. Com ele
conseguirão perceber que caminho estão a trilhar e se são mais produto dos
vossos ciclos viciosos ou virtuosos.
Depois da introdução continuou:
- Cada uma das nossas aprendizagens e poderes passa por várias
fases de maturação. Perceber cada uma delas ajuda-nos a entender se essa
aprendizagem ou poder continua a ser saudável e multiplicador. Podemos estar
numa de quatro fases: na fase da atenção; da concentração; de foco; ou na última das fases, fase de obsessão. A fase da atenção é a fase inicial onde percebemos as
nossas limitações e o alcance do poder. Depois segue-se a fase da concentração
onde aprendemos a usar o novo poder/aprendizagem dentro dos limites que nos
foram ensinados pelo nosso mentor. Entretanto chegamos à fase do foco onde
somos capazes de usar o novo poder/aprendizagem de forma autónoma e criativa,
mas sem nunca nos esquecermos que todos os poderes/aprendizagens são finitos. Por
fim, quando nos esquecemos que temos limitações, que há batalhas que não vamos
conseguir ganhar e abusamos dos nossos novos poderes/aprendizagens entramos na
fase da obsessão. Sejam quais forem os poderes ou aprendizagens que fizerem chegar
ao mundo lembrem-se, o objetivo final é preservar a harmonia. Quando achamos
que somos infinitos e ilimitados o caos lá estará à nossa espera. Não permitam
que o vosso foco se torne em obsessão.
Este era mais um valioso contributo para o que estávamos a
viver nestes dias e para o nosso futuro papel enquanto Mestres. A nossa estadia
pelas Ilhas do Vento estava a chegar ao fim. Era altura de voltar a casa e à harmonia
do nosso dia a dia, onde somos uma obra inacabada feita de virtudes e vícios.