Diários do Náufrago – O vício e a virtude - Parte IV

 

Depois da Ilha dos Magos e Vicente, tinha chegado a vez de Antão, o nosso objetivo por estes dias, mais especificamente a participação no Festival dos Náufragos.

Como já vos tinha contado na primeira parte destes diários, o Festival dos Náufragos é uma tradição dos Feiticeiros de Antão repetida a cada cinco épocas anuais. São convidados Mestres de todos os territórios conhecidos. São dias de conversa, de música, tertúlias de filosofia e de treino de novas artes de combate e negociação. Mas o centro da ação tratasse de um desafiante exercício de nome o Desterro dos Náufragos. Somos abandonados num pequeno ilhéu nas margens de Antão onde ficava uma prisão abandonada que em tempos albergou os Feiticeiros que haviam cometido crimes ou tinham abusado dos seus poderes. Como conta a história, a prisão ficou abandonada e hoje era usada como mote para este estranho Festival.

O Desterro dos Náufragos testa a tua convicção no que supostamente aprendeste. Durante o tempo necessário voltas à tua condição de aprendiz e aceitas rever todo o teu caminho, as principais lições e as tuas grandes conquistas. A ideia passa por perceber se te encontras preso e fechado ao teu caminho ou se tens de facto a destreza para ver outros. Simplificando é um teste à tua humildade e à tua capacidade de leres os teus círculos viciosos e virtuosos e como estes te afetam.

Aguardávamos a autorização para passar de Vicente para a Ilha de Antão.

Tivemos então a última etapa de viagem, a passagem de jangada entre Vicente e Antão sob a patrulha dos Feiticeiros da Ordem de Antão.

Finalmente havíamos chegado a Antão. A ilha é um regalo para os olhos. Enormes montanhas verde escuro rematados por castanhos luminosos viajam para além das nuvens sem que consigamos ver o topo. No meio da enorme ilha fica o Vulcão do Paul, hoje um enorme caldeirão transformado numa selva luxuriante. Por fim, no recanto norte da ilha o Ilhéu do Desterro onde teria lugar o Festival.

Ficamos dois dias à espera para que pudéssemos passar para o Ilhéu. Nesses dois dias tivemos a oportunidade de conversar, ouvir e reencontrar Mestres de todos os recantos do universo conhecido, cantar ao luar, treinar novas técnicas ou só meditar. Era uma espécie de preparação para o que aí vinha. Lembro-vos que eramos seis. Eu, os meus aprendizes Sims e Pachamama e ainda Linus, Edh e Sarah.

Através de um pequeno bote passamos então para o ilhéu. Fomos divididos por grupos. Edh e Sims ficaram comigo. Sarah, Pachamama e Linus ficaram com outro grupo.

As próximas horas, talvez dias, seriam passadas com o Mestre Feiticeiro Loahd, o nosso mentor para os próximos tempos.

Caminhamos até às ruínas da ala norte da velha prisão de Feiticeiros da Ilha dos Desterro. Montaríamos ali acampamento. Para a primeira noite ateamos uma fogueira e ficamos à conversa. Loahd contou-nos a história da sua família, como havia deixado tudo para se tornar num Feiticeiro da Ordem de Antão e como era difícil por vezes conjugar o amor pela mulher que amava e a missão de Mestre Feiticeiro. Era a nossa vez. Contamos o que nos trazia ali, as maravilhas que tínhamos visto por estes dias e o que achávamos que poderíamos descobrir, mesmo sabendo que a primeira das regras era a ausência de expectativas.  Rimos muito. Era um ambiente de descontração e muita cumplicidade acompanhada de muito hidromel. Antes de nos irmos recolher, Loahd lembrou-nos o porquê de estarmos ali:

- Foi uma boa noite, mas lembro-vos o que nos trouxe aqui. O desafio passará por percebermos onde as nossas virtudes e vícios nos trouxeram. Lembro-vos que somos a fusão dos nossos círculos viciosos e virtuosos. A escolha do que realmente somos é a soma do que plantamos e colhemos. Nessa conta, cabe a cada um perceber o lugar do vício e da virtude. Com humildade e sabedoria seremos capazes de encontrar, entre eles, os nossos ciclos harmoniosos.

E assim começávamos o Desterro dos Náufragos. Amanhã conto-vos o resto.