Diários do Náufrago – Salto de Fé - Parte III

 

Quinto dia por Terras das Ilhas do Vento. Hoje partimos de balão até Vicente, o último ponto de paragem antes de evoluirmos para a ilha de Antão onde atingiremos o nosso objetivo, participar no Festival dos Náufragos. Edh, como sempre, liderava a nossa expedição.

Os ventos não estavam a ajudar à nossa chegada, mas com a mestria de Edh lá conseguimos aterrar. Para nos receber tínhamos Linus Freyre, meu velho amigo e que comigo e Edh integrou os Falange, o grupo de aprendizes onde treinei para ser Mestre da Ordem dos Cavaleiros do Poder. Linus Freyre era o Mestre da Lua das Duas Faces, músico, especialista em autoconhecimento experiente na arte do varapau. Também ele estava de partida para participar no Festival dos Náufragos. Conhecedor profundo de Vicente, ele seria o nosso guia, antes da entrada em Antão.

Vicente é uma ilha de vulcões, extensos vales de basalto e areia de perder de vista. As suas praias são esventradas por dunas imensas cor de ouro e as suas águas são bravias.

Para este dia, Linus iria levar-nos a experimentar uma das mais estranhas tradições das Ilhas do Vento e em particular de Vicente, o Feitiço da Poça.

No interior de Vicente habitam os Mornai, tribo indígena que vive da agricultura e pesca. Os seus melhores guerreiros e exploradores são considerados os melhores mergulhadores destas paragens. O Feitiço da Poça é uma prova que, segundo os Mornai, te permite perceber se és alguém em quem se pode confiar. Basicamente, o resultado da prova como que determina se és alguém em que se pode confiar o maior dos segredos, se és alguém de palavra, se és alguém justo e leal. A prova consiste em mergulhar na Poça de Mindeli e voltar à superfície com o bastão de Mornai.

Antes de mergulharmos, o Sacerdote Rei dos Mornai lança o seu bastão rumo às profundezas da Poça. Cabe-nos a nós recuperá-lo. O resultado depois é interpretado pelo próprio Sacerdote. A prova é facultativa e usada para resolver disputas entre tribos rivais, definir o resultado de um julgamento para o qual não se conseguiu chegar a um juízo final ou mesmo só para determinar se um forasteiro é digno de confiança. Ou seja, recuperar o bastão não determina o resultado da prova. O julgamento do Sacerdote Rei é a chave da conclusão do veredito da mesma. Este julgamento é soberano e sem possibilidade de recurso.

Antes de nos aventurarmos na Poça de Mindeli, Linus levou-nos a comer algo. Entretanto era a hora de nos perdermos nas profundezas da Poça. Para este desafio apenas eu e Edh nos predispusemos a ser testados.

A Poça de Mindeli fica num declive nas margens do Mar de Atlante. Para além de nós, eram algumas dezenas os que iriam tentar a sua sorte.

E o desafio começou. Um após outro foram tentando a sua sorte. Para nossa grande surpresa todos conseguiam trazer o bastão de volta. Chegara a minha vez. Respirei fundo, pausei o batimento cardíaco e mergulhei declive abaixo. Ao perfurar as águas do Mar de Atlante, abri os olhos e imergi no perímetro da Poça de Mindeli. Uma luz ao fundo indicava o caminho. Era um encandeamento libertado pelo próprio bastão. Naquele momento percebi como é que todos haviam conseguido trazê-lo de volta. Quando peguei no bastão paralisei, era como se este estivesse a falar comigo. Fiquei assustado, mas não me retive. Há minha mente vieram as recordações de eu enquanto aprendiz em treino com Fern, um dos meus melhores amigos. Foi estranho, mas continuei. Entretanto voltei à tona com o bastão.

Edh também não teve grande dificuldade em completar a prova. No final da mesma, um a um recebíamos o veredito por parte do Sacerdote Rei dos Mornai. Chegada a nossa vez, o Sacerdote, de nome Dorr, fez-nos uma vénia e agradeceu a nossa disponibilidade para nos pormos à prova. O que nos disse fica para nós próprios, mas há uma lição que nos deixou que partilho convosco. É sobre não ter medo de nos pormos à prova, mesmo perante o desafio que testa a nossa fé, como era o caso do Feitiço da Poça. Dorr dirigiu-nos as seguintes palavras:

- Tem medo de não dar o salto de fé que a tua liberdade permite. É lá que mora o teu próximo sonho…

A nossa passagem por Vicente era curta, estava na hora de ir rumo ao nosso objetivo final, Antão e o Festival dos Náufragos. Eramos agora seis, Eu, Sims, Edh, Sarah, Pachamama e Linus.