Diários do Náufrago - “Segurar o mundo às costas” – Parte I

 

Por estes dias fomos chamados para o Festival dos Náufragos na Ilha de Antão que fica no arquipélago das Ilhas do Vento, bem perto do arquipélago Milénia, a minha casa do coração.

Edh, Mestre Dragão da Montanha, velho amigo, seria o nosso anfitrião. A ilha dos Magos, principal ilha do arquipélago, era a sua casa.

O Festival dos Náufragos é uma velha tradição dos Feiticeiros de Antão repetida a cada cinco épocas anuais. Para o Festival são convidados Mestres de todas as proveniências, com todo o tipo de habilidades. Para além da partilha, da música, filosofia e do treino de novas artes de combate e negociação somos levados a partir num desafiante exercício que dá nome ao Festival. Chamasse o Desterro dos Náufragos. Somos abandonados num pequeno ilhéu nas margens de Antão onde ficava uma prisão abandonada que em tempos albergou os Feiticeiros que haviam cometido crimes ou tinham abusado dos seus poderes. Com o tempo a prisão ficou abandonada e hoje era usada como mote para este estranho Festival. Mas já lá iremos.

Mas para lá chegar a viagem é longa. Primeiro temos de fazer uma longa viagem de barco até à Ilha dos Magos, seguida de uma viagem de balão ou canoa que leva 2 dias entre a ilha dos Magos e a Ilha Vicente. Por fim, aguardamos autorização para passar para a Ilha de Antão. Aí, conhecemos a última etapa da nossa viagem, a passagem de jangada entre Vicente e Antão sob a patrulha dos Feiticeiros da Ordem de Antão.

Os convites para participar neste Festival são feitos em segredo, nunca ninguém sabe muito bem o porquê de ter sido convidado para cá estar. Comigo estavam mais 3 Mestres, dois deles meus aprendizes. Eram eles Pachamama, Mestre Leão da Savana, Sims, Mestre Chacal e Sarah, Mestre Unicórnio. Pachamama e Sims eram meus aprendizes.

A primeira fase da viagem foi tranquila, entre o continente e a ilha dos Magos. Para nos receber tínhamos Edh. Partimos cedo para termos tempo de conhecer os vários territórios onde iriamos estar e aprender com a suas gentes, conhecer as suas tradições e fazer novos amigos.

Nos primeiros dias, Edh levou-nos a conhecer a aldeia de Tafal, um território de pescadores. O desafio era passar o dia com eles em alto mar e perceber as suas artes da pesca. Fui eu, Edh, Sims, Pachamama e Sarah. Pescar pode parecer uma tarefa fácil e até acessível. Digo-vos, é exatamente o contrário. Exige maturidade, intuição e relação com o mar. Tudo o que naquele contexto não tínhamos.

Mas no meio do nosso desânimo e incompetência nas artes da pesca percebemos a beleza do trabalho comunitário dos pescadores, a forma como amam o mar, como preservam o balanço delicado entre a vida e a morte e como são agradecidos à natureza pelo que ela lhes proporciona.

No final desse dia, jantamos com a comunidade de pescadores de Tafal e Ilay, o chefe da comunidade, partilhava o desafio de viver em Tafal e como essa era uma tarefa para o que todos eram como um todo e como seria impossível vencer individualmente. Ilay partilhava connosco:

- Tafal nem sempre foi uma terra de oportunidades. Podem não acreditar, mas em tempos fomos piratas. Lutamos tanto uns contra os outros que quase no aniquilamos. A determinada altura a força dos acontecimentos obrigou-nos a chegar acordo. Hoje nenhum de nós esquece que quando procuramos segurar o mundo às costas ele lembra-nos que não o temos de fazer sozinhos…”.

Não podíamos estar mais de acordo. Fomos descansar, no dia seguinte teríamos mais aventuras.