Diários da Humildade - Lembra-te de cavar o poço que precisas ainda antes de teres sede... -Parte I


Por estes dias viajei até à Ilha de Melody. Ficava acima das ilhas de Tempus, os territórios onde o tempo parava e não era contado.

Melody era um território montanhoso, íngreme, cravejado de vulcões e praias basálticas a norte e de luminosas escarpas vermelho flamejante a sul. As praias do sul eram de um contraste gritante com o norte. O norte de areias negras dava lugar ao sul de areias cor de ouro. Em comum tinham as águas azul turquesa em que era possível ver o fundo abundante em centenas de espécies de peixes.

Vinha com um único objetivo, treinar com Mestre Lamah os denominados Legados da Humildade.

Lamah, conhecido como o Mestre das Artes da Humildade habitava na Península de Scandola, uma zona de íngremes escarpas na costa oeste de Melody. Pedira ao meu amigo de sempre, Mizegui, Mestre Guardador de Sonhos, que me acompanhasse nesta viagem.

Seguimos de barco durante dois dias até à ilha mãe de Tempus. A partir daí fomos numa pequena barcaça até ao extremo sul de Melody. Chegados à costa eram dois dias de caminho até Scandola. Lamah vivia numa pequena ermida erigida de frente para o mar.

Como vos contara, eu e Mizegui vinhamos treinar os Legados da Humildade, ensinamentos ancestrais difundidos pelos Mestres das Artes da Humildade, cujo Lamah era o seu último representante vivo.

Os Legados da Humildade são baseados em cinco ensinamentos:
- Fracassar não é cair, é não querer levantar-se;
- Encontra o equilíbrio e segue o caminho do meio, o que permita a passagem de todos, longe dos extremos que servem apenas a vida de alguns;
- Sê capaz de eliminar a densa neblina da mente. Aí perceberás o som da essência que surge no vazio original;
- Até as torres mais altas começam do chão;
- Lembra-te de cavar o poço que precisas ainda antes de teres sede.

Estar com Lamah pretendia ser um momento de pausa, treino e reconciliação com o "Eu Interior". Durante a nossa missão como Mestre da Ordem dos Cavaleiros do Poder somos perturbados pelas nossas quebras de fé, somos contaminados pela solidão e perdemo-nos no nosso próprio labirinto de preconceitos. Procurar quem nos guie de volta ao melhor de nós mesmos tornasse vital. Desta vez recorremos a Lamah para esta demanda.

Durante dois dias deixamo-nos deslumbrar pelas incríveis paisagens agrestes de Melody até chegar à ermida de Lamah em Scandola.

Lamah já nos esperava à alguns dias. Montamos acampamento e fomos descansar por umas horas. Nessa noite Lamah convidou-nos a tomar um chá com as estrelas como companhia. Lamah não perdeu tempo e perguntou-nos sobre os nossos dias de viagem e o que esperávamos dele. O que tínhamos para dizer não era muito original. Começamos por contar que vinhamos aprender os Legados da Humildade. No entanto, o retrato que fizemos da nossa viagem entre Ethérnia Essence (onde morávamos) e Melody captou a sua atenção. De sorriso aberto partilhou:
- Meus amigos, vocês já cumpriram um dos cinco princípios dos Legados da Humildade. Como nos dizem os velhos ensinamentos, "lembra-te de cavar o poço que precisas ainda antes de teres sede", e foi exatamente isso que fizeram. Ainda antes da chegada da escuridão, procuraram a vela que podia iluminar o que ainda faltava do caminho.

A conversa continuou durante horas. Entretanto fomos descansar. Esperavam-nos grandes aventuras nos dias que se avizinhavam.