Diários do Olhar Sereno - "A sombra que regista o momento" - Parte II



Como já vos havia contado, nestes dias estava em retiro por terras de Tuh, região dos Rios Ondulantes. Entre caminhadas e momentos de recolhimento, a minha rotina era, eminentemente, escrever sobre o que a natureza gentilmente me fazia relembrar, redescobrir, ressignificar. Neste dia viajei até uma velha ruína abandonada num planalto perto de um enorme lago. Sentei-me num rochedo com ampla visão, peguei no meu diário simbólico, e estes foram os meus pensamentos.

"Tinha acabado de chegar. Olhei a avistei no horizonte o cume da montanha. Não era o único peregrino por estas bandas. O rebuliço era intenso. Queria muito ir lá cima e conseguir ver o enorme lago formado pela confluência dos rios Tuh Maior e Thu Menon.
Na subida, meio caminho à minha frente, avisto um andar familiar. Parei por segundos, sussurrei à minha mente e questionei se deveria acelerar o passo para te rever. Ao contrário da minha natureza, parei por ali mesmo, a minha intuição dizia-me que ficar por aquela encosta, por hoje, era o que bastava.

E foi dali que vi o lago. Sentei-me e lembrei-me de passos que não voltaria a dar, de faces que não voltaria a rever e de histórias que ficariam por partilhar. Não era um sentimento bom nem mau, era a noção de que na jornada de peregrino há horizontes onde não voltaremos. Há velhos conhecidos que se cruzarão novamente conosco, mas que já não farão parte. Lembrei-me também de uma velha lição: "conhecimento e afeto são dois poderes que se guardados, acabaremos por perdê-los". Senti que a estava a aplicar da forma mais estranha, ao contrário da forma como a tinha aprendido.

Em algum momento seremos só nós, no nosso caminho, com apenas a nossa sombra para registar o momento."