Diários do Reencontro - A natureza do amor próprio... - IV Parte




Estava no meu nono dia por terras de Milénia. Esta é a quarta parte dos meus Diários do Reencontro. Estava reunido com dezenas de Mestres da Ordem dos Cavaleiros do Poder no denominado Conselho de Mestres. Era a jornada de trabalho em que nos juntávamos para pensarmos acerca da nossa razão de ser coletiva, discutíamos sobre as novas orientações e missões de futuro para além de homenagear os Deuses da Criação.

Como já vos havia contado, a dirigir os trabalhos estava Mizegui Takasugui, Mestre Guardados de Sonhos. Após o treino das artes meditativas, orientação, do silêncio e conexão com os elementos, hoje a lição seria sobre o sentido que damos às nossas raízes, à forma como éramos capazes de criar processos duradouros, fortes e sustentáveis. A doutrina de hoje era sobre a nossa noção de consistência.

Estávamos de volta à ilha de Mílénia Centrum, ilha mãe do Arquipélago de Milénia (local escolhido para o Conselho de Mestres). Mizegui levou-nos até ao lado nordeste da ilha, onde ficava o Trilho do Desassossego. Era um caminho milenar que deveria ser feito ao Por do Sol. Continha centenas de miradouros de uma beleza indescritível. Era um cenário de meditação para peregrinos e de treino introspetivo para Mestres e Aprendizes da Ordem dos Cavaleiros do Poder. O objetivo final era a Ponta do Desassossego.

O caminho era esteticamente um regalo. Como era possível um mesmo lugar conjugar tanta beleza serena, tanta intensidade na cor, tantos detalhes que nos obrigaram a parar para os conseguir desvendar. A cada fase da caminhada Mizegui mandava-nos parar para meditar. Por cada paragem, por cada etapa, ele lançava uma pergunta diferente. Primeiro ele perguntou: - O que te faz continuar a caminhar?
Na segunda etapa ele questionou: - O que te faz continuar a continuar?
Por fim, na terceira e última etapa, ele perguntou: - Quem és tu quando escolhes continuar a caminhar?
Por cada pergunta, parávamos, sentávamo-nos e meditávamos sobre o seu sentido, procurando as memórias e experiências que para cada um faziam sentido.

Chegados à Ponta do Desassossego, Mizegui juntou o grupo em círculo, refletiu conosco e questionou: - Meus amigos, caminhamos porque acreditamos que há sempre a etapa seguinte. Continuamos porque sabemos que é a nossa natureza dar forma ao percurso. Somos consistentes porque é ai que reside o segredo do bom caminho, o sucesso da nossa missão de transformar o mundo num sítio melhor. Mas agora eu pergunto, qual é a essência do caminho, que energia é essa que te leva a dar forma a novos fins, independentemente dos maus inícios?
Olhamos todos uns para os outros e as respostas não se fizeram esperar. Lynus Freire respondeu:
- Mizegui, acredito que é o amor, a necessidade de amar e ser ser amado.
Cheetra refletiu:
- Eu acredito que é necessidade que temos de descobrir o nosso lugar permanentemente adiado. Dessa forma, em vez do lugar, descobrimos o mapa do que podemos ser.
Karin, na sua vez, disse as palavras que mais sentido fariam naquela noite:
- Concordando com todos,  acredito que a essência do caminho está na natureza humana de descobrir o amor próprio e não na necessidade de ser amado. A consistência exige que te ames antes de amares os outros. Só assim aceitarás todos os bons e maus fins a que darás início. Não há continuar nem caminho sem amor próprio. 

Depois daquelas palavras ouvimos mais algumas opiniões, mas as palavras de Karin retravam a resposta que precisávamos de ouvir. Os meus dias por Milénia estavam quase no fim.